quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A peleja do @poetacicero contra @SonyBr bestafera

vinde musa inspiradora
do reino de Eloin
para que eu possa contar
a saga da minha história
do começo meio e fim
contra a @sony bestafera
pense numa empresa ruim.


eu vivia sussegado
na minha vida normal
todo dia a mesma coisa
era o meu natural
minha mulé falou, se liga!
vem pru mundo digital!

E me deu um computador,
maravilhosa invenção.
entrei logo pru Orkut
sem perder ocasião
myspace facebook
e no twitter bacanão.

fiquei um cara antenado
na ginga dessa moçada
e nas redeas sociais
topo eu qualquer parada.
Solidariedade é meu lema
na paz da nossa jornada.


Ja fazendo mais de um mês
que meu Vaio então pifou,
foi-se embora a alegria,
acabou meu bom humor.
de 7 dias pro conserto
virou mais de 40 de terror.

Eu ligo pra Servicompo
empresa especializada,
a moça diz,meu amigo,
eu não posso fazer nada,
a @sony não manda a peça,
olhe só que presepada.

É essa a situação
de um matuto acabrunhado,
como uma multinacional
não ter peças em reservado,
e o meu pobre Vaio
tão triste desmantelado.

Com puta dor é o nome
dessa maravilhosa invenção
que a faz gnt se comunicar
em qualquer ocasião,
mais pra mim virou tristeza
mágoa e decepção.


Pois quero meu Vaio de volta
direitinho e consertado
pois @sony sua peste
vai ficar ruim pru seu lado,
não foi de graça foi pago
tô mandando meu recado.



Conclamo todos amigos
do reino da twitosfera
me ajudem nessa luta
contra a @sony bestaferera,
ela é pior do que ovo
quando gora e desunera.

retuitem minhas mensagens,
eu peço de coração,
cada amigo chama um amigo
assim se faz a união,
como o povo do Egito
derrubou o tiranão.


Minha gente eu vou embora
meu menino tá que chora
a minha mulher me chama
que já vai romper aurora
me ajude no twitter
pra ver o fim da história...


zé do biu das alagoas,
enviou e eu postei,
obrigado amigo,irmão.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

O Grande Catulo

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Catulo da Paixão Cearense

“...tudo o que se lê em “Meu Sertão”, é pura fantasia e, se não fosse fantasia, não era obra de arte. A alma de Catulo é que nos canta ali e é por isso que o admiramos a ele. As imagens são de invenção dele, mas sabemos que os caipiras são mui capazes de as ter assim belíssimas, por vezes maravilhosas. Ainda há pouco, ouvi das mais originais na boca de um carreiro analfabeto, o célebre Sabino Grajaú, de Alagoas.

“Meu Sertão” não é o sertanejo fotografado; é o sertão no que tem de poético, simples e selvagem, compreendido, sentido, evocado pela alma de seu filho, que se educou no Rio. É uma saudade posta em verso; saudade que se deleita em ir pintando as cenas mortas, refazendo gentes, vistas, costumes interessantes, usanças particulares, pondo em tudo certa nostalgia bem real, muito emotiva.

É a missão do poeta. O poeta não decalca, não trasfolha, não cobre riscos; debuxa apenas os contornos, calca os tragos de reforço, faz sombras, combina cores, que sejam transuntos de sua alma, pedaços de suas emoções.”

José Oiticica


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NOTA DO EDITOR
EM outros livros do poeta, o leitor encontrará outros muitos elogios de homens de ciência, de letras e de artistas, brasileiros e estrangeiros, pois o seu renome ultrapassou os limites da pátria. O poeta, antes de ser o cantor desses poemas sertanejos, foi um afamado cantor de modinhas e um belo cultor do violão. Escreveu mais de seis livros de canções, que foram as delícias da geração passada. Essas canções, cantadas e acompanhadas por ele, fascinaram e seduziram os mais exigentes auditórios. Que o digam o príncipe Alberto de Oliveira e Mucio Teixeira, que o ouviram muitas vezes em festas familiares e em serenatas, ao luar. Rui Barbosa, Pedro Lessa e muitos outros grandes literatos e homens de ciência, disseram um dia que o Luar do Sertão, conhecido em todo o mundo, era o Hino Nacional do coração dos brasileiros. Hermes Fontes, escrevendo sobre cantadores e violonistas, afirmou que Catulo foi o civilizador das nossas modinhas. E, se na opinião de Rui Barbosa, o Catulo dos poemas é um maravilhoso poeta, na opinião de José do Patrocínio, que não lhe ouviu os poemas, mas só lhe ouviu as saudosíssimas modinhas, o Catulo do violão foi o divino trovador das saudosíssimas serenatas.


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O POETA ÚNICO DO BRASIL
EMBORA nessa época as suas canções já andassem por aí de boca em boca, quem primeiro falou, lá em casa, em Catulo da Paixão Cearense foi um compadre de meu Pai, por nome Luiz Goulart — que nós chamávamos (não sei porque) Garrafa de Leite... E foi esse homem banal, gordinho, baixinho, que passava a semana a vender milho no Centro de Cereais, mas que morava na estação da Piedade e era vizinho do Bardo, quem no-lo trouxe à nossa casa na rua do Riaehuelo, ele, com o seu violão...

Nesse tempo, Catulo era tão somente o que entre nós se qualifica, com tão injustificado pouco apreço, “um fazedor e cantador de modinhas”. Os seus livros, editados em papel de embrulho, tinham títulos popularmente modestos: Cancioneiro Popular, Choros ao violão.... Mas, se a sua poesia ainda se não impusera à admiração das nossas altas esferas sociais, já conquistara a popularidade das massas e empolgara o coração dos simples.

Papai, que era, sobretudo, um emotivo, tocado na sua sensibilidade, desde logo adorou-o. E houve uma festa, lá em casa, para “produzi-lo” aos poetas, aos literatos, aos músicos, aos artistas que, até então, ainda nos freqüentavam ...

Nesse tempo, com raríssimas exceções, a nossa poesia continuava a ser, mais do que nunca, um decalque mais ou menos hábil do estro estrangeiro. O próprio Cruz e Souza, que morrera de miséria, abraçado ao madeiro do seu orgulho e do seu gênio — embora tendo trazido à lingua um novo rítmo e uma excepcional audácia de expressão — fora (como muito bem disse, creio que o sr. Victor Orban) uma mentalidade germânica enxertada num negro pelo ensino miraculoso do sábio Fritz Muller...

As tentativas de “índianismo” de Gonçalves Dias tinham-se tornado obsoletas. O vulcão que Victor Hugo descobrira no cérebro de Castro Alves extinguira-se.

A maviosa ingenuidade de Casemiro de Abreu esvaíra-se, “na flor dos anos”, como um canto de “sabiá na laranjeira, à tarde...”

Desde o hugoano Pedro Luis Pereira de Souza — quase sempre tão injustamente esquecido entre os grandes nomes da nossa poesia — a inspiração e as idéas e os assuntos tratados pelos nossos poetas chegavam empacotados do exterior. E, naquele momento — em que, aliás, vivia e rimava o surpreendente B. Lopes — os nossos grandes poetas, entre outros de incontestável valor, como Luiz Murat e Mucio Teixeira, eram, como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Emílio de Menezes, reflexos de Heredias e Lecontes, ou, como Raimundo Corrêa, reminiscentes de Heines e de Stechettis...

Brasileiro, positiva, sinceramente brasileiro — nada. Os “simbolistas”, mesmo quando eram o inesquecível Mario Pederneiras, na Agonia, ou nas Sondas Noturnas, nada tinham de nacional. Os “místicos”, como esse imortal Alfonsus de Guimarães, podiam ter escrito em latim a Câmara Ardente, ou o Septenário das Dores de Nossa Senhora... Só Mello Morais Filho, timidamente, apagadamente, escrevia, no intervalo de duas receitas (porque era médico), coisas assim:

À sombra de enorme e frondosa mangueira,
Coberta de flores, da tarde ao cair...”

Foi quando Catulo da Paixão Cearense apareceu.

***

E aquela noite, na rua do Riachuelo, foi um triunfo como devia ser. A poesia de Catulo da Paixão Cearense, apesar de ainda toda confinada nas palpitações do coração e dedicada a glórias ou martírios de amor, era uma coisa completamente nova, estranha, surprendente e, sobretudo, brasileira!

Tínhamos, enfim, diante de nós, um poeta!

E o que principalmente se requer do poeta é que ele seja um evocador. “Cada um de nós tem em si um exemplar de cada poeta que lhe agrada — exemplar que ninguém mais conhece e que conosco perecerá com todas as suas variantes, quando nada mais sentirmos ...” — diz Anatole .

Um belo verso é um arco que tange as nossas fibras sonoras. Não são os seus, são os nossos pensamentos que o poeta desperta, e revive em nós. Quando nos fala da mulher que ele ama, são os nossos amores que ele canta e deliciosamente focaliza em nossa alma...”

Ora, o poeta que de fato nos produz tal emoção, não é o parnasiano, nem o simbolista, nem o penumbrista, nem nenhum dos outros desnaturadamente envenenados de literatura. É aquele em que as grandes emoções singelas do homem se concretizam nessa ingente aspiração de harmonia, que já entre os trogloditas desabrochara nos primeiros rítmos guerreiros ou religiosos, a princípio apenas emulativos das caminhadas nômades da tribo, e, por fim, sensual, voluptuoso, dolente, nas fases perturbadoras e sentimentais do cio... É o Trovador.

Mas um Trovador é fruta rara — sobretudo no nosso ambiente de dilettanti, em que as manifestações de Arte raramente explodem de um instinto inato e irreprimível, e são quase sempre uma manifestação de esnobismo, ou um meio de aparecer, com o fim de alcançar renome e conquistar posições.

Catullo, porém, era um Trovador. Por isso mesmo, o que primeiro sentiu, o que primeiro realizou foi a modinha — “a modinha, que, como disse o nosso João do Rio (coitado!...), na Alma Encantadora das Ruas, é o nosso instinto bárbaro de independência e de maravilha no homem — que louva os deuses, incita à guerra, canta a mesa, chora desejos da carne...”

A modinha de Catulo tinha tudo isso, e tinha mais — para nós, brasileiros, tinha a evocação das selvas, dos eitos, das lavouras ancestrais, da nossa bucólica, do nosso sentimentalismo ingênuo e rude. Ah! que emoção, quando ouvimos o Sertanejo Enamorado, esses versos virgilianos que todo o Brasil cantou e canta!

Na minha choça
Teu escravo sou até...
Tenho uma roça
E uma casa de sapé...
Foi para dar-te
Que a fiz.
Aqui vivo por amar-te,
Feliz...
Nela contigo serei
Mais que um rei!
Ai! mais que um rei!

E, logo em seguida, numa só estrofe, dois sentimentos tão nossos, bem nossos — a confiança na vida que nos dão os dons da nossa natureza exuberante; o abatimento em que caímos, se nos fere a flecha sentimental da saudade:

Como eu sou rico,
Se floresce o cafezal,
Nem sei...
Ah! como eu fico,
Se me cresce o milharal,
Sou rei...
Mas fico mudo
Sem ti...
Chora tudo, tudo, tudo,
d’aqui!...

E a Martha, evocando todo o drama sombrio das senzalas da escravidão, e todos os outros temas imprevistos, singelos, verdadeiros, dos poemas que ele pautava dentro da nossa música, que Bilac, numa das suas raras expressões felizes, disse ser “lasciva dor, beijo de três saudades, flor amorosa de três raças tristes...”

Sim, Catulo era uma poesia inteiramente nova, e inteiramente brasileira, empolgante, espontânea, verídica, expressando-se, enfim, na nossa língua, sem temer grafar os brasileirismos da sintaxe que estamos criando, sentindo, exprimindo, incarnando a nossa verdadeira alma, indolente, combativa, rude, sentimental, impulsiva, obstinada, que se está filtrando num tipo definitivo, lá, muito longe do litoral cosmopolita, no caldeamento da nossa mestiçagem. E, por isso mesmo, destinado a empolgar, como empolgou, a comover, como comove, a vencer, como venceu.

É possível, entretanto, que, em toda a sua obra, as modinhas de Catulo me impressionem tanto, até hoje, porque as ouvi, um pouco depois daquela noite, durante dois anos, à cabeceira da cama em que Papai agonizou.

Catulo foi o sabiá desse ocaso. Quase todas as noites batia à porta do casebre em que — vanitas vanitatum — o “Herói da Abolição” ia morrendo aos poucos, esquecido, apagado, sozinho... Acolitavam-no mais dois ou três boêmios, “irmãos da opa”, corações de ouro, como ele, artistas: o Irineu, ofeclide, um mulato gordo, que quando tocava, fechava os olhos empapuçados, de que lhe escorriam lágrimas de emoção; o Luiz de Souza, piston, que do agudo instrumento tirava sons de flauta e de violino, e o famoso Mario Cavaquinho... E Catulo cantava!

Catulo cantava... Era uma cigarra, embalando outra cigarra “na tormentosa estação”...

Passa o vento do outono,
Uma prece a gemer!....

Ah! essa modinha de que ele já não se lembra, e do que tantas vezes lhe tenho falado! Como ela me ficou gravada no coração!...

As folhas que o sol do estio amarelecera e crestara jaziam caídas sob a ramaria da floresta. Vinha o outono. O vento erguia-se e soprava. E as pobres folhas murchas valsavam, tresmalhadas, desorientadas, perdidas, ao léu...

Assim como ides, folhas
Irão os sonhos meus...

A noite passava, Papai ouvia com os olhos rasos de água. Eles iam-se embora, continuando a cantar e a tocar na rua deserta...

Sois a imagem da vida,
Pobres folhas, adeus!...

***

Depois que Papai morreu, longos anos Catulo e eu andámos separados. Ele, irradiando e crescendo para a Perfeição e para a Glória. Eu debatendo-me na rude e obscura labuta de escrevinhar para as gazetas o corriqueiro “dia a dia”. Ele, cada vez mais irmanado e identificado com a beleza e a grandeza do Brasil. Eu, vagabundo, por terras alheias, freqüentemente em contato com as alheias misérias, com os hospitais, com a cadeia... Ele, erguendo-se cada vez mais, ao sol dos trópicos, como a palmeira, cujo caule, ereto e nu é um círio votivo, emergindo do seio da nossa terra ante a Divina Onipotência, e cujas folhas jaldes da sua fronde são a chama verde da nossa esperança. Eu, como a folha amarela, caída sob a ramada triste, que o vento do outono enxota e leva por aí...

Verde... amarelo...

De entre todos os plumitivos brasileiros, sou, por conseqüência o menos autorizado para interpretar e dizer sobre a obra, já tão vasta e sempre maior, de Catulo da Paixão Cearense, mormente quando já a consagraram nomes como os de Rui Barbosa, de Pedro Lessa, que a citou numa sessão do Supremo Tribunal, como a do Padre João Gualberto, que a interpretou numa das conferências na Catedral do Rio — como nos diz, prefaciando O Evangelho das Aves, Mario José de Almeida, espírito de fulgor e de eleição, que todo ele se retrai e recolhe em si mesmo, como a sensitiva, no temor do contato amesquinhante da literatice nacional...

Catulo quis, entretanto, que algumas linhas do meu punho precedessem os poemas deste livro, que intitulou Meu Brasil. E, se falece toda autoridade ao prefaciador dos presentes versos do grande Bardo, ninguém mais do que ele tem direito de dar a um livro o título que a este deu.

A obra de Catulo da Paixão Cearense são as canções de gesta do Brasil contemporâneo. Nos seus versos imperecíveis ele tornou a descobrir a Pátria, e começou a ensinar-nos a amá-la. Até que ele aparecesse (e mesmo depois...), quase todos pensávamos sobre nós mesmos o que esse fulgurante e cruel espírito, que é Monteiro Lobato, disse de Jeca Tatu...

Mas Catulo vem-nos dizer a pujança e a energia da raça, cantando a arrancada dos vaqueiros; o orgulho generoso do nosso sertanejo, que manda bater na “estrela da testa” do cavalo encantado que lhe tinham roubado, para que os matungos não desonrem o seu velho companheiro, capturando-o cavalgado pelo ladrão; a pureza dos seus sentimentos, quando, tendo à sua mercê, na choça solitária, a cabocla adorada, e sentindo ferver as tentações da carne, põe entre o seu e o corpo dela, estirado na mesma enxerga, o velho crucifixo familiar.

E é a Terra Caída, com a sua estupenda beleza descritiva; e é o Marroeiro e o Velho Marroeiro, com uma profunda filosofia, revestindo-se de admiráveis imagens, como a da lagoa e o coração da mulher — varium et mutabile semper, como concorda Virgílio... É, finalmente, esse litúrgico Evangelho das Aves, uma lenda do sertão, transformada em apólogo bíblico, e tratada em versos de inexcedível fluência, de insuperável espontaneidade musical — como, aliás, são todos os versos de Catulo.

Mas para que citar ainda? De resto, fora preciso citar cada poema, cada verso, talvez, da sua obra imperecível!

E que dizer mais também? Que toda essa literatura regionalista desabrochada nestes últimos lustros é um reflexo do estro de Catulo? Que o encanto e a atração dos seus poemas têm sido um auxiliar incontestável e eficaz de emulação do nosso patriotismo e de difusão de cultura nas massas nacionais?...

Mas, senhores, Catulo da Paixão Cearense é um fenômeno tão excepcional nas letras nacionais, que a sua obra foi até hoje a única que, no idioma original, vadeou as nossas fronteiras e se tornou, de fato, conhecida, senão popular, em toda a América Latina e em Portugal — que até então só tinha lido, do que é nosso, o sr. Coelho Netto...

Não nos enganemos, pois: Catulo da Paixão Cearense é um dos maiores poetas nascidos no Continente Sul-Americano. Na literatura brasileira só lhe são comparáveis Gonçalves Dias, Castro Alves, José de Alencar — os grandes Bardos em verso e em prosa da Nacionalidade. É o nosso pequeno Homero, que estará vivo, juvenil e pujante, quando de há muito já se tiver perdido a memória dos pigmeus, que por aí rimam consoantes e alinham períodos.

***

Enfim, leitor amigo, perdoa-me, a mim, escriba obscuro e tão desautorizado, ter-te privado tão longamente de leres os primorosos poemas que este livro enfeixa. Aliás, se foste prudente, terás saltado, sem as ler, as páginas em que se alinha a minha prosa chilra...

Um prefácio a um livro de Catulo? Para que? Dizer, no Brasil, quem é Catulo da Paixão Cearense? Para que?...

Só se o Brasil nem sequer tem consciência do que em si é belo e grandioso...

Bois de Villemoisson (Seine-et-Oise), maio de 1928.

JOSÉ DO PATROCÍNIO, FILHO.

(Patrocínio escreveu este prefácio, 3 dias antes de falecer.
Foi o seu canto de cisne).


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A CATULLO CEARENSE
(Espírito e Coração da Natureza Brasileira)

A TUA musa, já não mais só tua,
por ser lírica irmã da água da fonte,
que, de muito correr para o horizonte,
rola, por fim, no mar que a perpetua,

tanto apura a beleza, quando estua
nas vertigens de luz da tua fronte,
que a terra do Brasil faz que desponte
na glória virgem da beleza nua.

Primeiro trovador entre os primeiros,
o sol e a lua são teus dois tinteiros
de tintas velhas de esplendor tão novo!

Por isso, eternos, o teu estro encerra
o espírito de sol da nossa terra
e o coração de luar do nosso povo.

Rio, 8-10-1918.

LUIS CARLOS.
(Da Academia de Letras)


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UM GRANDE POETA
... a poesia vem do amor.
CATULLO CEARENSE.

NADA mais vulgar no Brasil do que um poeta; entretanto, é aqui bem rara a verdadeira poesia. Então poesia brasileira, “nossa”, sentida, vivida, extremamente difícil de se achar no milheiro de livros de versos que se publicam anualmente.

É a poesia o gênio da juventude. Adolescência de homens ou de povos, tudo é um, será a causa da abundância. Como a idade da razão custa a chegar, te-los-emos, felizmente, os poetas, por muito tempo, se não sempre. Quase nos podemos dispensar de fazer outra coisa. Neste ponto nos parecemos com a Grécia antiga, que fez tudo em versos, anais militares, narrações de viagens, religião, até política ... Também dela se disse que era a infância do mundo.

O que parecerá menos justificável é que os nossos sejam poetas estrangeiros. Foi Gonçalves Dias o nosso grande poeta lusitano. Anglo-saxônio era Álvares de Azevedo, até no “humour”.

Os que chamamos românticos e parnasianos são franceses, propriamente de Paris. Alguns se presumem de atenienses; Camilo já arrolou assim o nosso Gonçalves Crespo.

Foi e é a Europa a nossa aia, mestra, e por vezes e ainda senhora, tanto que não admira sejamos todos europeus, peregrinos aqui nessa terra em que vivemos. A vida brasileira é fictícia. Sobre um tronco indígena enxertaram planta exótica, que dá flores e frutos de outros céus.

Deles é a língua, são deles as imagens e as idéas. Nem nos preocupa traduzi-las: vão, como nos vêm. Há certo livro de ciência, de doutô e mestre, que começa: “O Brasil é um país da América Meridional”... Queria dizer, “do Sul”. Meridional, de meio dia, só é sul em França: o midi seria, aqui, lá para o norte; América Meridional é a do Centro. “Carvalhos” e “loureiros”, “rouxinóis” e “cotovias“ concorrem nas nossas comparações, em prejuízo de bichos e plantas natais. Nossas praças e jardins estão adornados de estátuas forasteiras: no Pharoux treme um velho sob a neve, no Campo de Sant’Anna está uma bela mulher nua, cercada de pámpanos e parras, que pretendem ser inverno e outono no Brasil. Somos tão adventícios aqui, já reparou o nosso João Ribeiro, que indo ao outro lado do oceano, não “vamos” à Europa, “voltamos” à Europa.

Não o digo por censura, nem com pena. Assim é e deve ser. Apenas essa cultura estranha não se afez bem à terra e isso tira à gente como que a naturalidade, nessa roupa de empréstimo, sem nossa medida, com resguardos incômodos, fora do nosso gosto, na qual não nos sentimos a jeito. E sem espontaneidade, graça, naturalidade, não há arte. Dela a condição é a sinceridade.

Como nos sobram estímulos de vaidade, o gênio verbal da raça supre-a na eloqüência, a imitação contorna atitudes e expressões e nós conseguimos versos ricos, trabalhados, difíceis, de rítmos magníficos e rimas preciosas, talvez perfeitos versos, mas versos estrangeiros... em nossa língua que atormentamos por eles, para nossa gente que não divertimos com eles... Muitas vezes, versos sem poesia. Quase sempre sem poesia “nossa”, emoção sentida e vivida, no Brasil, por coração brasileiro, que se communique por íntimas afinidades com a sua terra e nos traduza “seus” sentimentos e “suas” idéias.

***

Ora, este poeta que ides ler, que de nome conheceis, poeta cujos versos andaram na boca do povo antes da letra de fôrma desta edição, como a Homero precederam os rapsodos, Catulo da Paixão Cearense, esse é um poeta, que tem poesia, e poesia brasileira, nesses versos que escreveu, depois de os sentir e de os dizer. Não faço comparações. Digo apenas: Catulo Cearense é um grande poeta; é um grande poeta “brasileiro”. Seus versos têm poesia, tanto que alguns dos seus poemas valem por livros inteiros.

Há quem dilua a gota de essência, imagem feliz ou comoção sincera, num oceano de palavras, escolhidas e preciosas, mas escusadas.

Catulo é perdulário e generoso, como a natureza; concentra n’uma quadrinha, em dois ou três versos simples da “medida velha”, tão idiomática, tão nossa, todo um jardim ou uma várzea inteiras com o seu deslumbramento, de frescura, de luz, de aroma e de melodia, para essa comunhão que tem o homem, distraído pelas coisas, com o seio materno de sua terra, consciência de amor que só lhe pode dar, tão sentida e vivida, a grande obra de arte.

Porque a arte é isto mesmo. É a “realidade”, que a beleza nos tornou “sensível”.

Junto a minha casinha de Petrópolis há um canto do Piabanha que eu nunca soubera “ver”; admiro-o agora que o “vi”, reproduzido numa deliciosa paisagem de Baptista da Costa. Sertanejo exilado que sou na cidade, os versos e novelas que me falam do meu sertão enternecem-me até as lágrimas, mas de lembrança do que sentí, sem dar por isso, e me repassam agora na memória do coração. A vida não é isso mesmo, gozar ou sofrer, no desejo ou na saudade, sem jamais a consciência do presente, atônita e efêmera realidade? O artista é assim um vidente; a arte, uma “profecia”, porque virá a ser, para os que a contemplem e gozem, uma “realização”. A de Catulo é magnífica; ele sentiu tão bem que o “seu” sertão é o “meu”, é o “nosso” sertão. Idealizado? Que importa! É o dom da arte, só ela é capaz do milagre da transfiguração.

As imagens lhe borbotam frescas e novas, límpidas e aljofradas, como a veia dos olhos dágua dos nossos córregos, que vão saltando e correndo e sofrendo, e cantando através dos seus leitos de pedra e de esmeril, pelo estirado das rechans, pelo declive das ribanceiras.. . como as lágrimas, tristes ou felizes, da terra.

Os quadros da natureza, manhãs, crepúsculos, noites, luares e madrugadas, em nenhum poeta são mais profusos e tão “nossos’, pela linguagem, pelas comparações, pelas evocações, tanto, que constituem o mais formoso e mais parecido retrato do Brasil. Os enfeites da terra são as dela, flores do campo, frutas bravas, paus do mato, e o homem, se não é mais o bronco aborígene, não é também o adventício imigrante, mas o sertanejo, esse mixto que nos formaram as raças colonizadoras, amassado com o barro, cozido ao sol, naturalizado por quatro séculos de provações e de esperanças e para quem ela, a sua terra, é o seu único amor e a sua certeira perdição. Ela é também, essa terra brasileira, o “meu sertão”, a namorada de Catulo.

Mas não só o amor canta o poeta, canta toda a vida: a vida rude, sofredora, de labuta, e de decepção, e de confiança; vaquejando, passando gado, fazendo votos, nas “premessas”; com o sentido na honra, até a do seu cavalo, antes que da ambição de ganho ou satisfação do rude amor próprio; cangaceiro, capaz de topar a tropa de linha, para vencê-la e que se vence, com ajuda de um santo lenho, para respeitar a honra da mulher amada que se lhe confia: coração terno e macio, que se rende e se deixa estrepar dos olhos de uma cabocla, para o engano terno do amor, “terra caída”, que na indiferença, na traição, no esquecimento, desmancha, apaga, e troca, e substitui, no logro da vida, como essas do rio inconstante, que esborôa aqui, no cotovelo de uma volta e restitui adiante, na praia de uma coroa... Que importa um coração enganado, se haverá outro contente? Que chore e cante!

É o que faz Catulo Cearense. Por isso, muitos dos seus poemas são obras primas. Mais: enlevam, entusiasmam, enternecem e fazem chorar. E isto é que é poesia.

AFRANIO PEIXOTO.
(Da Academia de Letras)


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CATULLO CEARENSE
RESIDO há quatro anos no Brasil e só agora me foi dado conhecer o mais inspirado e representativo menestrel do seu sertão — Catulo da Paixão Cearense, poeta bravio, poeta cujos versos não foi preciso semear e ainda menos cultivar, poeta igualmente entendido e apreciado pelos sábios e pelos ignorantes, poeta do povo e da raça, poeta e só poeta, que só pôde dar poesia, como as abelhas só podem dar mel...

Não posso deixar de ralhar docemente aos meus amigos brasileiros, que assim tardaram em me pôr em contato com um tão direto e exato intérprete da alma nacional. Mas se eles, ao ouvir os versos de Catulo, com razão se eletrizam e vibram perante o que neles encontram de essencial e intimamente brasileiro — eu, por meu lado, apurando ainda melhor o ouvido, todo me enterneço e desvaneço de nesses versos sentir ao longe, intata, imortal, inconfundível, a velha alma portuguesa.

Sem dúvida, outras almas de outras raças colaboraram na formação do lirismo brasileiro e contribuíram para lhe dar a fisionomia original que lhe não nego. Mas quem poderá também negar, sem negar a evidência, que nessa melodia nova e bela, se há vozes diversas formando o coro ou o acompanhamento, é sempre a voz de Portugal, a antiga voz, jamais enrouquecida, da antiga Lusitânia, que dirige o canto e nele sobresai e predomina? E que outros ouvidos no mundo, além dos brasileiros e portugueses, serão capazes de ir atrás dos poemas de Catulo com o alvoroço e a comocão que eu experimentei agora, e que experimentariam todos os meus patrícios, se o poeta sertanejo fosse recitar e cantar a Lisboa os seus versos?

Catulo Cearense fala, chora e ri em verso portuguesíssimo — a redondilha maior, que é a forma métrica instintiva e inconsciente da nossa linguagem comum. Catulo conversa com a Natureza, e a Natureza conversa com Catulo, (assim diria Eça de Queiroz), por meio de diálogos a que poderá oferecer a réplica justa o grande poeta português Antônio Correia d’Oliveira, mestre da redondilha também ele, e também ele língua ou turgimão fidelíssimo das vozes, dos gestos, dos sentimentos, dos risos e lágrimas das Coisas, essas aparentes surdo-mudas — mas tão falantes a quem sabe entendê-las. Catulo traduz o canto dos pássaros, e decifra o cachoeirar das águas, e o murmúrio das florestas, e o fulgor dos luares, por maneira para mim tão inteligível e penetrando-me tão dentro da alma, que parei a perguntar-me se, além da mentalidade, da sensibilidade, da gente, de alguma fauna e de alguma flora, em boa hora transplantadas de Portugal, ou por Portugueses, para o Brasil, também foram os nossos comuns Avós que para cá trouxeram as cataratas dos rios, as árvores das matas-virgens e as estrelas e aves do céu! Enfim Catulo entende o amor à nossa moda, e bastava esse traço das suas feições, para lhe descobrir o parentesco e me permitir sentenciar: dize-me como amas e eu te direi a que raça pertences... E, todavia, Catulo Cearense encarna a alma brasileira com fidelidade e eu poderia agora, voltando a compará-la com a nossa, apontar as suas diferenças, tão facilmente, como já assinalei as suas semelhanças. Lembrarei apenas o sabor regional (mas por vezes também arcaico) do seu vocabulário; o nacionalíssimo entrecho e cenário dos seus poemas; a originalidade das figuras, das paisagens, dos costumes, superstições e lendas, que deles se destacam. É que o Brasil não é uma imitação: é um prolongamento e um crescimento. O Brasil não é um eco ou um reflexo: tem voz e luz próprias — e ainda bem que as tem, para nosso maior orgulho e admiração. Mas cego será quem imaginar que o transforma melhor e mais depressa, ou de qualquer modo o engrandece, consagrando-se a destruir as raízes majestosas que tão profundamente o entroncam num tão belo e fecundante passado. Aliás essas raízes só Deus poderia destrui-las, e Deus não quer... Elas erguem-se vigorosas de todos os lados, inacessíveis à aberração humana. Ainda há dias, folheando um dicionário corográfico do Brasil, descobri com surpresa que há neste país vinte e três lugares, a que a palavra saudade serviu de batismo: 10 no Estado do Rio, 9 em Minas, 2 em S. Paulo, 1 na Bahia e 1 em Pernambuco. Dezenove desses lugares chamam-se Saudade, a dois deu-se o nome ainda mais bonito de Saudades, e aos dois restantes chama-se pitorescamente, a um Saudades de Cima, e ao outro Saudades de Baixo. Ora, eu já escrevi uma vez, e aqui confirmo, que as sete letras da palavra saudade são o brasão da nossa Raça, tão legitimamente como os cinco sinais das Quinas o são da minha Pátria. E muito antes de mim, e bem melhor que eu, escrevera o grande Joaquim Nabuco que essa palavra é a mais bela da nossa fala; a gema da linguagem humana; a alma, a essência da raça, que nos lábios a traz constantemente...

Os poemas de Catulo são, como disse o grande educador Fernando de Azevedo, de uma voluptuosidade ingênua.

Saudemos, pois, em Catulo da Paixão Cearense um descendente e um continuador dos nossos trovadores populares da Idade-Média, que dos seus cangaceiros fez, com certo engenho, os novos csvaleiros-andantes do Sertão. E indiquemos ao futuro os solaus e xacaras desse poeta do Povo, como o início de um Romanceiro novo em que vai reproduzir-se e desdobrar-se, sob céus mais luminosos, em terras mais vastas e mais ricas, e porventura com maior exuberância e esplendor, a alma eternamente lírica da Lusitânia — de aquém e de além-mar!

ALBERTO D’OLIVEIRA
(Da Academia de Ciências de Lisboa)

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“Eis os três mestres da nossa vida: — Alencar, a alvorada; Euclides, o meio dia e Catulo, a noite com os seus mistérios.”

SAUL DE NAVARRO.


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HOMENAGEM A CATULLO CEARENSE
No dia 12 de Setembro de 1918, realizou-se no Theatro S. Pedro, hoje Theatro João Caetano, no Rio de Janeiro, uma festa em honra do poeta Catulo Cearense, promovida pelos senhores: Ministros Guimarães Natal, Muniz Barreto, Pedro Lessa (do Supremo Tribunal) e Alberto d’0liveira (Plenipotenciário de Portugal); Drs. Miguel Calmon, Pandiá Calogeras, Afranio de Mello Franco, Eloy de Souza, Augusto de Lima e Juvenal Lamartine (homens d’Estado); Cons. Nuno de Andrade; Ministro Ataulfo de Paiva (da Corte Suprema); Professores Afranio Peixoto, Fernando de Magalhães, Pacheco Leão, Miguel Couto e Dias de Sarros (da Fac. de Medicina); Roquette Pinto (do Museu Nacional), e Assis Chateaubríand (da Fac. de Direito do Recife); Alberto de Oliveira, Mario de Alencar, Coelho Netto, e Paulo Barreto (da Academia Brasileira); Drs. Pires Brandão, James Daroy, Francisco Solano Carneiro da Cunha, Primitivo Moacyr, Baul Caracas, Alfredo Pinto (advogados); Drs. Paulo ãa Silva Araújo, Murtinho Nobre, David Sanson, Edmundo de Oliveira, Antônio Austregesilo, Abel Porto, Agenor Porto, Carlos Silva Araújo (médicos); Drs. Luie Carlos, Humberto de Campos, José Maria Belo, Humberto Gotuzsto, Pereira da Silva, Antônio das Neves, Carlos Costa (publicistas e homens de letras), e Manoel Vieira Martins, (capitalista em S. Paulo), que decidiram publicar a primeira edição deste livro.

Com o concurso gracioso da exma. sra. Da. Angela Vargas Barbosa Vianna, e dos senhores Mario Pinheiro, Frederico Rocha e o ator Alberto Pires foram ditas e cantadas várias produções do poeta. Em cena aberta os Srs. Humberto ãe Campos, poeta e jornalista, e Roquette Pinto, sábio e literato, pronunciaram os seguintes discursos:

“Entre os nossos contos populares de origem européia, colecionados por Silvio Romero, eu coloco em primeiro lugar, pela delicadeza e ornamentação verdadeiramente oriental, a linda história do “Papagaio do Limo Verde”. Certa moça, muito bonita, moradora nas vizinhanças de uma grande cidade, capital de um grande reino, vivia em tal opulência, cercada de tanta pedraria, aue não se via outra tão rica entre todas as princesas do mundo. Estranhando o exagero dessa magnificência misteriosa, as vizinhas ficaram de aleatéa, até que descobriram a maravilha daquele segredo. À noite, quando todos dormiam, a moça abria a janela do palácio, e por ela penetrava um papagaio muito verde, que entrava reclamando água. A moça corria a trazer-lhe uma bacia de ouro ondulante da linfa mais límpida, dentro da qual o papagaio se atirava sofregamente, ruflando as grandes asas insofridas. E cada pingo d’água que voava da bacia, transformava-se em um diamante que a rapariga ia apanhando, ficando, assim, dia a dia, mais rica. Ao fim do banho, o papagaio estava transformado em um formoso mancebo, como outro mais formoso não havia na terra. Era o Príncipe do Limo Verde.

Eu não posso ler ou ouvir os versos sertanejos de Catulo da Paixão Cearense, — esses mesmos versos que ele vos oferece nesta festa, sem que me assalte à imaginação a faiscante história desse encantado príncipe perdulário. O ourives que trabalhou no ouro virgem da linguagem popular as jóias rústicas e maravilhosas que por aí andam, é necessariamente um grande e lídimo artista, um fidalgo poeta, que se disfarça em ave cantadeira, para melhor espalhar, a mancheias, como o Príncipe do Limo Verde, a rutilante pedraria do seu erário. Catulo é realmente um misto de singeleza e de opulência, um ponto em que se misturam, formando o mais pitoresco dos riachos, os veios que passam pelos campos cultivados e as fontes que descem, gementes e ligeiras, do largo seio das matas indomesticadas. A sua poesia simples, doce e ingênua, mas em versos de métrica perfeita, é uma resina do sertão a arder, cheirosa, num turíbulo de prata ou de ouro. Evolam-se das suas rimas os mais inocentes perfumes da terra: cheiro de baunilha, de leite, de folha machucada, de gado sadio, de benjoim, do rola virgem, de campina desabrochada: cheiro, enfim, do sertão do Norte, em Maio, pelos fins d’água...

Passados esses versos para a linguagem correntia, não teríamos nós, entre os dos nossos melhores líricos, outros que se lhes avantajassem em meiguice. Catulo não quer, porém, que os seus frutos nasçam no jardim ou brilhem em vasos de porcelana: quer conservá-los no mato, envoltos nas folhas. A seiva para o fruto quem a dá é Deus. À árvore compete, apenas, dar fôrma ao pomo. Catulo tem toda a inspiração dos grandes e verdadeiros poetas; e como é sertanejo, vasa essa forte seiva nos rústicos moldes que ihe fornece o sertão. Dos seus versos ele poderia dizer, como o velho poeta espanhol:

— “Yo los escribo: dictalos Apolo!”

HUMBERTO DE CAMPOS.
(Da Academia de Letras)

***

“A poesia popular do Brasil, orfã, anônima, mal acolhida nas páginas de alguns notáveis estudiosos do “folk-lore”, andava por aí representada nas estrofes choramingas das modinhas, em quadras de crítica faceta, ou nas lendas ingênuas do sertão boiadeiro, como as do “Espaço” e do “Riachão”.

O poeta, que nossa elite social hoje aplaude, realizou o milagre de compor, na linguagem de sua gente, poemas do largo fôlego, onde se descobrem duas características bem marcadas. Primeiro, aparece nos versos de Catulo Cearense a nota profundamente humana; todos os seus personagens são reais, vivos e agitados por sentimentos da espécie. Depois, surgem daquelas frases, que parecem informes, o perfume, a luz, a cor, o doce e o amargo da nossa natureza integral. Há, espalhados pela sua obra, fascículos de um tratado de história natural; fenômenos geológicos, feições da flora, hábitos da fauna, etnografia, tudo ali conspira, dando o verdadeiro feitio do habitat brasileiro. Não é o “poeta do Sertão” apenas; quem escreve a “Terra caída” — é poeta da Amazônia; quem escreve o “Lenha-dor” — é do Brasil inteiro, que se alcantila de matas...

Os nossos poetas que entoavam hinos ao torrão natal, até agora, pertenciam a duas categorias: uns falavam como a plebe, e não sabiam escrever; outros, sabiam escrever... e traçavam seus versos na língua dos nossos maiores, bem diferente da que vive na boca do nosso rude povo.

Mas, quem poderá exprimir, no formoso, clássico e polido idioma, a bruteza de recantos travados: o ímpeto primitivo de afeições desabridas, que estalam no coração dos que mourejam nos seringais? Que imagem, nascida na Ibéria, pôde servir ao paroára, quando deseja pintar a ruína global de sua existência, a perda completa de seus devaneios e de seus haveres, senão a figura da derrocada subitânea de um trecho de margem, onde plantou o rancho, a roça e armou a rede para sonhar com a doçura de um primeiro beijo, ali, no canto do mato limpo pelo seu carinho e adornado pelo seu amor? E o fato geológico, brutal, como um terremoto que se não esquece, inspira o poeta; a saudade, então, deixa de ser o “delicioso pungir de acerbo espinho”, que magoava docemente os avoengos... No Brasil, é “a terra caída de um coração que sonhou”...

Este cantor não se utiliza dos mirtos, das verbenas nem dos jacintos que nunca viu; suas flores são colhidas no ipê e no imbirussú. Não se aproveita das águias, nem dos condores, nem dos rouxinóis, que já tem visto... engaiolados; mas compara os gritos lancinantes de sua dor ao metálico explodir da voz de uma araponga. O sabiá é a sua “viola de penas”; o curiango, a jaçanã, o urutau, tipos das ornis do Brasil, esvoaçam nas suas produções.

Dele, nunca, ninguém dirá que é um poeta português, escrevendo no Brasil.

Seja qual for o juízo que se forme do idioma semi-bárbaro de que se ele serve, é preciso reconhecer que tal língua não morrerá. Há de ser polida, modificada pelas influèncias extranhas, que o progresso do país fará avultar; mas há de viver.

Quem escreve para o público, no Brasil, tem o dever de zelar pelas vozes clássicas, sem exageros anacrônicos, para cumprir uma missão frenadora, servir de elemento conservador, moderando a velocidade da vaga popular, conservando tradições. Mas não deve combater, senão aprimorar o formoso dialeto, áspero, como a maior parte da terra em que nasceu.

Ninguém, no Brasil, escreve como ele a língua da gente inculta, que é a maioria da nação; ninguém, como ele, sabe cantar ingenuamente a pátria, nos sons que por ela circulam.

Simples naturalista, estou aqui a falar do poeta, porque a poesia é como a luz. Uma desce do céu azul e penetra nos palácios e nas choupanas; lava os mares e as terras; espalha-se por sobre florestas e se derrama nos campos. A outra sobe da natureza inteira, e se exalça para ganhar o infinito. Rompe do solo, nos acidentes do terreno, que é vário, como a alma dos homens; nasce na existência diária de todos os seres vivos; sublima-se no sentimento do “grande escravo”, que se não move senão à custa de cega obediência a leis fatais. Ela entra na arte, para vivificá-la; na indústria, para dar-lhe brilho; e, na ciência, prestígio.

Esta poesia semi-bárbara me fascina, porque sinto, nela, as louçanias e as imperfeições da minha terra.

Este poeta foi o escolhido da sorte, para arquivar, no coro dos povos que cantam, a voz do seu próprio povo. Seus poemas estão escritos no lenho das grandes árvores, gravados nos penhascos da pátria; foram compostos com as harmonias reais deste meio natural dominador.

ROQUETTE PINTO.
(Da Academia de Letras)


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Crônica do “Mercure de France”
CATULLO Cearense est unique en son genre et il nous a donné le frisson nouveau. La matière de sés poèmes est simple, vaste et riche.

Elle est la contemplation du monde et contemporaine de tous les âges. Ele a l’image forte, profonde, cosmique. Sou âme est au centre de la forêt, comme un écho sonore, tele l’âme de Victor Hugo au centre de tout, selon le vers célèbre. Il a une façon aisée et sure d’entrer en matière, une famíliarité jamais vulgaire, qui me fait penser à l’incomparable Lafontaine. Catulo ne dit point ses vers ni les declame. Il les vit. La voix, le geste, la masque et les mouvements, tout a cette verité, cette force spontanée et juste d’un art qui rejoint la vie. Il est simples, naturel et exact, comme un chant d’oiseau.

(Mercure de France, Paris,
1 de Maio de 1919).


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Em caminho do sertão

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EM CAMINHO DO SERTÃO
(Asterio de Campos)

BARDO ou Poeta, cujas rimas
são da poesia o tesouro,
que cantas em rimas de ouro
a tua consagração,
fecha os cristais dos ouvidos,
não ouças, por caridade,
a virgem rusticidade
desta viola do sertão.

Esta linguagem bravia,
como aquela natureza,
não contém essa beleza
paciente do teu buril!
São os versos deste livro
como as águas das cascatas
e o vento, açoitando as matas
das florestas do Brasil.

Tange as cordas da tua lira
nos seus dulcíssimos trenos!
Entoa canções à Vênus
no teu rítmo lapidar,
mas deixa-me a liberdade
de descantar n’uma prima,
sem arte, sem voz, sem rima,
uma cabocla a sambar.

Quisera ser ignorante,
como um cantor sertanejo!...
Era esse o meu desejo!...
Não ter nenhuma instrução,
mas ter o dom do improviso,
para dizer, de momento,
as dores do pensamento
e as mágoas do coração.

Excelso, divino poeta,
que levas um mês inteiro,
beliscando no tinteiro,
para um soneto compor,
deixa um momento a Avenida,
vai lá nos matos sombrios
ouvir esses desafios
de um cabra improvisador.

Não vais sentir a rijeza
de eretos alexandrinos!
Vais ouvir os dons divinos,
que Deus concede a um mortal!
Não te importes com a sintaxe,
que isso é coisa sem valia!
Sorve somente a poesia,
que é um licor celestial.

Basta de Pan, de Netuno!
Deixa a Grécia! Deixa a Itália!...
Deixa a fonte de Castália,
que, de há muito, já secou!
Vai beber as águas frescas
de uma cacimba, que é tua,
onde, à noite, a nívea lua
seus versos brancos deixou.

Musset, D’Annunzio e Leconte,
Byron, Hugo, Campoamor,
já te imploram, por favor,
que os deixes lá descansar.
Demos um pouco de tréguas
a tanta coisa estrangeira,
que esta terra brasileira
tem muito e muito que dar.

Eu bem sei que esses poemas
nunca serão recitados
nos salões opulentados,
por um moço de altivez.
Seria um crime ultrajante
dizer estas frioleiras
nessas rodas brasileiras,
onde se diz em francês.

Mas, que importa? Nada aspiro
neste país, nesta terra,
que tantos bardos encerra,
e tanto filho abandona!
Eles têm a lira ebúrnea!
São Orfeus!... São divindades!
E eu só sei cantar saudades
nesta inefável sanfona.

Se não traduzo, a contento,
as queixas lá da viola,
uma coisa me consola: —
é cantar tudo o que ouvi!
E embora vilipendiado
com inofensível fereza,
pertencer à natureza
desta terra em que nasci.

Nada achareis neste livro,
Narcisos afrancezados!
Vós estais acostumados
com essas liras de além mar!
Este instrumento que eu trago
aqui, por cima do peito,
é tão bárbaro e imperfeito,
que só eu posso escutar.

Nesta floresta de versos,
nesta espessa mataria,
não se escuta a melodia
de um CHANTECLER de Rostand!
No sertão destes poemas,
não canta um galo estrangeiro,
mas um galo brasileiro,
saudando a luz da manhã.

Quereis saber de que cor
são estes meus pobres trenos?
São da cor das folhas verdes,
pisadas pelos serenos!

Nos dedos rudes que escrevem
estas cantigas bucólicas,
não reluzem os fulgores
de anéis de pedras simbólicas.
Qual seria o anel do poeta,
se o poeta fosse um doutor?
Uma Saudade brilhando
na cravação de uma Dor!

....................

E vós, gentis senhoritas,
que falais o italiano,
como o francês soberano,
as línguas em que cantais,
cuidado com a língua bárbara
desses sertões lá do Norte,
trescalando o cheiro forte
dos gigantes vegetais!

Fechai meu livro, senhoras!
Com o vestido decotado,
com o cabelo penteado,
e esses finos sapatinhos,
voltareis arrependidas,
trazendo os vossos sapatos
cheirando a folha dos matos,
e as vestes cheias de espinhos.

Nada, pois, de sacrifícios,
sem colher um resultado!
Cuidado! Muito cuidado
com os acúleos... do espinheiro!
Em vez de um terno “je t’aime;”
de um moço guapo e bonito,
ouvireis somente o grito
da paixão de um marroeiro.

Nada, pois, de sacrifícios!
Nas margens de uma Avenida,
não se vê “Terra caída”,
coisa que não tem valor!
Não crescem árvores rudes
que depois de decepadas,
nós já vimos revoltadas
contra um fero “lenhador”!

Fechai meu livro, Senhoras!
Certo, eu sei, não interessa
a história de uma “Promessa”,
uma flor do coração!
Um meigo e simples transumpto
das saudades sertanejas
das noites de São João.

Que há n’um “passador de gado”,
(direis vós) um homem rude,
com sua bronca virtude,
que vem ver a Capital,
e volta vociferando,
comparando esta cidade
com a rudeza e a soledade
da sua terra natal?!

Não! Lêde-a com dor, com magua,
essa história, essa romança
de um homem feito criança,
esse “Quinca Micuá”,
alma pura, nobre e santa,
como uma flor redolente,
que, talvez, tão inocente,
não exista igual por cá.

Não reciteis, senhoritas,
o poema religioso
de um “cangaceiro” extremoso,
o matador das estradas,
porque vereis, sem surpresa,
esses moços que escutarem,
as gargantas rebentarem
em tremendas gargalhadas!!

Vós, que lágrimas verteis,
lendo a insulsa serenata
de um poeta nefilibata,
um poetastro verlainal,
admirai, na “vaquejada”,
como um rude boiadeiro
respeita o seu companheiro,
mesmo sendo um animal!

....................

Com prazer ouço uma orquestra
no multicor dos sonidos
e, logo após, os carpidos
da viola, cantando a dor,
assim como, lendo o Dante,
logo depois ouviria
um canto dessa poesia,
que tem cheiro de verdor!

Tenho lido, desde Homero,
tudo o que se tem escrito
em versos de ouro e granito,
de impecável perfeição, mas,
(talvez seja ignorância),
ás vezes fico encantado
com um verso imetrificado
de um Manoel do Riachão!!!(*)

....................

Formosos, doces Narcisos,
que andais vestidos de Imprensa,
cheios de orgulho, a doença
dos “Grandes”, dos “Imortais”,
que de cinco em cinco dias
tendes o rosto gravado
sob um soneto plagiado,
nas colunas dos jornais!...

Vates, Poetas principescos,
vestidos de seda e de ouro,
a minha veste é de couro,
são rudes os versos meus!
Mas só reconheço um Príncipe
da Universal Monarquia,
Rei e Papa da Poesia,
cujo nome é — Deus!

Só Deus!

CATULLO CEARENSE.


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Quinca Micuá
(O GAITEIRO DO SERTÃO)
O gaiteiro Quinca Micuá, fugido de sua terra, vai contar o que lhe succedeu à primeira pessoa que dele se condói, aqui, na Capital Federal.


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QUINCA MICUÁ
(O GAITEIRO DO SERTÃO)
A Plínio Motta.

NOSSO Sinhô dê bons dia
a vasmincê, meu patrão,
e a toda a sua famia.

Cheguei há cinco sumana
nesta grande Capitá.

Sou musgo!... Musgo gaitêro!.
E, não é prú me gavá,
fui o terrô dos violêro
dos sertão do Ceará.

Os samba daquela terra,
adonde canta a viola,
adonde geme o ganzá,
não via o nacê do dia,
sem o gimido chorado
do gaitêro arriliado,
do seu Quinca Micuá.

Cumo o rio — da nascente;
cumo a pranta — da simente;
cumo a simente — de coisa
que ninguém sabe... ninguém,
nací gaitêro tombém!

Vasmincê póde me crê:
não fazia duas hora
que acabava de nacê,
e já levava parmada
de minha mãe, cumo quê!!

Toda a vez que ia mamá,
a pobrezinha gritava,
pruque eu, mamando, apertava
aquela santa maminha,
pensando já, meu patrão,
que fosse uma sanfôninha!!

Eu sêmpe fui um cabôco
bunito, cumo ele só!
As tapuia lá dos verde
dizia que eu tinha uns óio
facêro de noitibó!

Quando eu intrava num samba,
todo pimpão e gostoso,
cum os cabelo ingurdurado
d’um gósméco, bem chêroso,
a cabrochada assanhada
ficava logo inciumada
de me vê dengoso ansim!

Tudo que era fermuzura
ficava doida prú mim!

Eu tombêm fazia cêra,
mas porém, cumo brinquedo!
Dêxava sêmpe as cabôca
lambendo os óio dos dedo.

Querê bem?! Não! Que isperança!

Nunca pude creditá
im tanta jura de amô
que me fazia a Tudinha,
a Miritinha, a Izabé,
naquelas caraminhola,
que é o visgo que sáe da boca
da pió sucúrújuba
que Deus criou: — a muié!

_________

Agora iscute, patrão.

Prós lado lá do sertão
do meu santinho Ceará,
vivia um homem chamado
— Lotéro Carácará.
Era rico, apois pissuía
uma fortuna de gado.

_________

Findava o mês da mutuca.

Na minhã daquele dia,
tinha chegado da Corte
uma afiada do véio,
cum o nome de Cunceição.

_________

Era um dia de fôncão!

Lotéro, que era casado
cum a sinhora Cunegunde
e tinha um érmão doutô,
tinha mandado inducá,
na Corte... na Capitá,
essa tá de Cunceição,
cum carinho e munto amô!

Tinha a mocinha seis ano,
quando saiu do sertão.

Era férmosa, apois não!
Os óio dela fazia
pipoca no coração.
Tinha um nariz paricido
cum o bico do tinconcão.

As corda dos seus cabelo,
im duas trança ispaiáda,
era cumo dois sedenho
d’uma vaquinha amojada.

Cunceição era sarada!!...
Não tinha a cô das cabôca!

Era da cô da passóca,
tirante a batata assada.
Cantava e tocava musga
n’um caxão grande, — o priano,
que eu vi a prêmêra vez
im casa do seu doutô

Batia língua cum ele,
falando as língua da instranja,
que inté mitía pavô!

Cunceição tinha o segredo
de contá, riscando os númbro
no papé, sem sé percizo
contá cum as ponta dos dêdo!

N’um instantezinho inscrivia
tudo o que ela bem quiria!

Im pé, andando ou deitada,
im quarqué livro ela lia,
si li dava na venêta!
Lia pru-riba e correndo,
que eu ia prá mim dizendo
que era coisa do Capêta!

Quando falava... hinspanhó,
o doutô chamava ela
murzela... ou... miudamurzéla!

Eu vi, patrão, munta vez
que ela logo arrespundia
“murciú“, falando ingrêz!

Cunceição vinha passá
argum tempo no sertão
cum Lotéro e cum sá dona!

Era um dia de fônção!...

Eu ia tocá sanfôna.

Naquela noite, patrão,
meu insturmento gritava,
parece que arrebentava
as tripas do coração!

A minha gaita cantava,
cumo si fosse um vim-vim!

Aquela moça já táva
achamegada prú mim!

Ela se poz cum inxirisse!...

óiáva p’ra mim!... si ria!.

Eu, na sanfona, gimía!...

Ela uma “coisa“ me disse!...

Eu logo me dirritía!...

Mas a canela da onça,
meu patrão, não assubía!..

Foi o diabo, patrão!

O cara de barbatão,
que se danava de fêio,
mais fêio que São Simão,
oiáva ansim de réis-véis,
arripiava a quêréca,
imquanto a véia sapéca
me óiáva cum danação.

A muié tinha o nariz,
(não ofendendo os presente),
— de castanha de caju!...

Era uma véia barbada!...
Tinha uma cô de imbuzada!..
Só tinha uns óio bunito,
cumo os óio do tatu!!

Um gaitêro, o Zé Fréchão,
me óiando, inté paricía
me querê cume cum as mão!

Baxinho, a ruê coirana,
Inluminata, a Rosinha,
a Chica, a Luiza, a Tudinha
xingava a mim e xingava
a sinhora Cunceição.

Quando isquentava a fônção,
apois, agora, o doutô
tava tocando o caxão
prás moça toda porká,
a Cunceição, a danada,
me puxou, num safanão,
p’ra me dizê: “Micuá!

“Eu tôu mêmo apaxonada!...
“Tu firiu meu coração!”

Ela contou que o padrinho
quiría que ela casasse
cum o érmão, o tá doutô,
um moço todo lampêro,
que istudou na Capitá
seis ano, prá curandêro,
e que ela não tinha amô!!!

Que não quiria casá,
somentes p’rú sé doutô,
cum esse cara de intanha
e bico de picapáu.

Levasse a bréca a sabença,
que ela amava uma sanfona,
o insturmento mais bunito
ao despois do marimbáu.

Patrão, este seu criado,
o seu Quinca Micuá,
uvíndo o que ela dizia,
trimía, patrão, trimía,
cumo o junco da lagôa
im dia de ventania!

P’rá pude me arritirá,
ante da festa acabá,
foi perciso que eu jurasse
p’ra sá dona Cunceição
que eu ia no outro dia,
sem fárta, tocá sanfona
no samba do Zé Chícão.

_________

Quando eu cheguei, no outro dia,
na guarapêra do cabra,
já Cunceição incontrei.

Óie, patrão: a verdade
nunca mereceu castigo!

Eu tombêm me apaxonei!!!

No samba do Zé Chicão,
foi o diabo, patrão!

Um cantadô de viola
fez esta impruvisação: —

“Eu já vi um sapo-boi,
“n’um aguaçá d’um bréjão,
“dizendo que a sua gaita
“parecia um azulão”.

Preguntando um outro cabra:
— E o que tu disse, Janjão?!
O prêmêro arrespondeu: —
“Eu varejei uma pedra
“no fucinho desse cão”.

Puxei pula intiligença,
e arrespundi pró zangão:
“Estes verso bem amostra
“que saiu dessa cachóla!
“O sapo-boi, que tu viu,
“táva tocando viola”.

O cabôco tiriúma
cuspiu do couro o quicé!

Eu, no meio das cabôca,
isgruvitava cum os pé!

Se as muié não cunsintía
que eu me ispaiásse à vontade.
(não minto, não, falo séro!)
garrei na minha sanfona,
e... perna p’rá quê te quero!

Apois, esse violêro
do samba do Zé Chicão,
o cabra da gaforinha,
se as muié não me garrasse,
não cumía mais farinha!

Apois, dona Cunceição
me pidía!... Supricava
pula santa de seu nôme!!

Caxinxe, é sêmpe caxinxe,
e um hôme, é macaco é hôme!

Ao despois, o seu Lotéro,
sabendo daquelas coisa,
disse a sinhá Cunceição
p’rá não fala mais cumigo!

Ora, vêje que pirigo!

Sá Cunceição, que era fina,
cumo a gente diz prú cá,
de minhã, todos os dia,
imquanto os véio drumia,
lá ia assuntá cumigo,
imbáxo d’um biribá.

Eu nunca vi coisa ansim:
a muié, que era inducada,
gostava mêmo de mim!

Caisse as água do céo,
ou fizesse o Só bom dia,
certinho, toda a minhã,
o biribá já me via
tocaiando a Cunceição!

Na minhã que ela não vinha,
era que o véio babão
e a rabujenta madrinha
tinha acordado mais cedo.

Ora, um dia eu tive medo!

O coirão da marvadinha
me catucou p’rá fugi!

“Sá dona!” eu arrespundi:
“váincê é moça inducada!
“Eu sou um pobre gaitêro,
“um tocadô de sanfona!
“Isso é coisa munto feia
“p’ra uma mocinha dizê!
“Não fale nisso, sá dona!...

“Óie, Sá dona, o Tinhoso
“tá tentando vasmincê!”

Inda eu táva supricando,
e a muié me dava as costa,
indo imbóra, arresmungando.

*

Passêmo duas sumana,
sem tá junto... sem nos vê!

Despois que a gente arengou,
de minhã, naquela hora,
eu passava munto longe,
iscundido atrás das moita
das verde jaráuácíca,
p’rá vê se via o diabo
da mocinha tiririca!

Tinha perdido a aligria!

Nunca mais toquei n’um samba!

E a minha gaita gimia,
cumo a curuja avuando,
quando a noite côme o dia!

A tia Angérca, uma véia
da casa de seu Lótéro,
que cumigo se incontrou,
me disse que o tá doutô
fazia cêra cum ela!...

Cum ela!... Sim!... Sim, sinhô!

Senti nos bófe um calô!...

O carcanhá me trocêu!...
Eu juro a váíncê, eu juro,
que, sem tocá cum estes dêdo,
a minha gaita gemêu!

Naquela noite eu andei!...
Andei pulas mataria!...
A sanfona não tocava!...
Táva muda!... Não gimia!

Eu apertava... afróxava!!...
táva sem voz!... Só bufava!

Quando se perde a vrégonha,
abasta o amô querê,
faz do hôme uma pamonha!

Fui pedi a tia Angérca
p’rá dizê p’rá Cunceição
que eu táva isperando ela,
ante do Só acordá,
no outro dia, cumo sêmpe,
imbáxo do biribá.

Dito e feito. No outro dia,
naquela hora marcada,
eu isperava a marvada!

A sanfona, pindurada
n’um ramo, a se imbalançá,
quando uviu ela falá,
sem eu tocá cum estes dêdo,
introu de novo a cantá!

Pula arage balançada,
no ramo, d’aqui p’ra lá,
parecia inté, patrão,
que a gaita era o coração
do férmoso biribá!!!

Eu entonce preguntei
se ainda me tinha amô.

Não disse nada!... Calou!

Eu falei nesse inxirído,
no moço... no... no doutô!

Foi entonce que falou,
dizendo que ela falava
siturdia cum esse moço,
prú via d’um má de rengo...
e prú via d’uma dô.

D’outra feita, foi prú via
d’uma grande narvragía
no miolo do coração!

Mas porém já táva boa,
despois que o doutô fisgou
nos dois braço uma injerção..
(lá nela)... de fôia sêca,
e simente de gervão.

Despois, zangada, me disse
que eu amava sem calô!!!
Que eu tinha sido o prêmêro,
o prêmêro que ela amou!

Que tinha munto dinhêro
p’rá nós vivê afórgado,
sem se importá cum o Lótéro,
nem cum o diabo do doutô.

Entonce, apouzando o braço
cá prú-riba do meu ômbo,
sintí cumo uma friáge
nos grugumío do istômbo!

Trimí, seu patrão, trimí!
Mas porém, quando outra vez
me catucou p’rá fugí,
não sei cumo não murri!

Ai, que moça tão marvada,
mas porém... tão bunitinha!

Despois, me disse no uvido:
“Micuá, uma boquinha!...”

Apois, juro a vasmincê!...
Eu não sabia o sintido
da palavra... Pode crê!

Quando ela me disse o que era,
gritei: “Dona Cunceição!!!

“Não quero sabe de nada!!!

“Eu amo váincê, sá dona,
“cum todo este coração,
“que bate aqui neste peito!
“Não tire paluxo, não!...
“Não me farte cum o arrêspeito!”

O sinhô Carácará,
que já tinha alevantado,
uvindo eu falá mais arto,
como uma onça n’um sarto,
garrou na minha gaitinha,
que nem cachorro inraivado!

Eu fiquei ajuêiádo,
sem pude arrispirá,
vendo que o hôme quiria
a sanfôninha quebrá!!!

Quando eu disse pró padrinho
que a sua linda afiada
foi e haverá de sé sempre
cá prú mim arrespeitada,
cumo sempre arrespeitei,
o raio da iscummungada
me fez cum os dêdo... uma figa,
que eu nem sei cumo fiquei!!

Seu patrão, não digo nada!!!
A muié táva ispritada!!!

O véio tinha o insturmento
alevantado nas mão,
me óiando cumo o capêta,
cum uns óio de sucuri!

Foi quando, entonce, n’um grito,
ela gritou: “Meu padrinho,
“este hôme sem vrêgonha,
“me achando sozinha aqui,
“me pidíu uma boquinha,
“me catucou p’ra fugi,
“dizendo umas coisa feia,
“que váincê nem faz indéa!”

O hôme entonce, o mardito,
cumo uma fera acuada,
fisgou-me im riba do quengo
a minha gaita adorada!

A minha gaita, a sanfona
que eu não trocava prú nada!

Quanto tempo, quantas hora,
eu ali fiquei ansim!

E, quando dei fé de mim,
táva no meio do véio
e d’uns cabra da Fazenda,
que o diabo mandou chamá!

Entonce levei no lombo
levei tanta gurungumba,
cumo se fosse um zabumba...
tanta corda de crôá,
que se eu vivesse cem ano,
inda guardava siná!!!

Correu prú todo o sertão
que o seu Quinca Micuá
tinha tirado paluxo
cum a dona!... a miúdamurzéla,
afiada do Seu Lótéro!...
A Sá dona Cunceição!

Todo mundo preguntava:
“Cumo é que esse Micuá,
“um sanfonero de nome,
“foi se inxirí cum uma moça,
“que era noiva d’um doutô,
“e afiada desse hôme?!”

Tudo virou contra mim!

Fugi de lá do sertão,
da minha terra!... De lá!!

Despois daquela muxinga,
vim drúmindo pulos mato,
im caminho da cidade,
ispinhando de sôdade
da minha pobre sanfona,
que lá ficou dispenáda
imbáxo do biribá!

Ai, quantas noite, sozinho,
nos mato da minha terra,
gemendo na sanfôninha,
e de barriga prô à,
óiáva o céo e me ria
de vê cumo as istrelinha
lá no céo táva a sambá!

A vida é um samba, patrão!

Apois, quem é que na vida
samba mais?
É o coração!

Leva a cabeça assuntando
todo o dia, mas porém,
de noite, vai discançá!

Somentes o coração,
ante da gente nacê,
inté a gente morrê,
leva a sambá... a sambá!!!

O coração é fié!...

A cabeça, ai, a cabeça
é que é maléva e crué!

Foi a cabeça, foi ela
que me perdeu!... me impuiôu!

Quantas vez o coração
não chorou... e... arresmungou!

Dêxei a Luiza, a Tudinha,
a Inluminata, a Rosinha,
a Craciúna, a Lulú,
a Bastiana Sanhassú,
a Sanda, a Felicidade,
a Vitóca das Sôdade,
a fia do Zé Chicão,
a Chica do Zé da Serra,
a cabôca mais bunita
dos mato da minha terra...
prú móde dessa murzéla
ou dessa miúdamurzéla,
dessa dona Cunceição!!!

A Inluminata, a Rosinha,
a Bastiana, a Tudinha,
nenhuma sabia lê!

Mas porém, p’rá quê? P’rá quê?!
Só p’rá vregônha perdê?!

P’rá jura farso e mintí?!

P’rá cunvidá p’rá fugí?!

P’rá té o discaramento
de me querê dishonrá,
pidindo um bêjo, que é coisa
que a gente não deve dá,
sem prêmêro arrecebê
a santa benção de Deus,
n’uma ingrêja, ao pé do artá?!

Tudinha era uma muié
inguinorante, sarvage!...
Tudo o que váíncê quizé!!

Mas porém, meu patrãozinho,
aquilo é que era muié!

Muié, que teve a corage,
a corage, sim, sinhô,
d’uma noite, lá n’um samba,
no meio de toda a gente,
tirá do pé a chinela,
a chinela, Seu doutô,
p’rá me castigá na cara,
só prú via de eu tê dado
p’rá uma cabôca uma frô!

Isso, sim, é que é muié!...
Isso, sim, é que é o amô!!

A outra butou a rosa
nos cabelo, e, orguiósa,
se pôs-se logo a sambá!

Mas porém, aqui, na cara,
ficou tômbém outra rosa,
vremêia, grande e férmosa,
a frô da dó de canela,
do disispero do amô,
o siná lá da chinela,
que tômbém era uma frô!

Óie, o ciúme é treidô!
É o fio mais macriado
que tem a Amizade e o Amô!

Seus pae, o Amô e a Amizade,
tem munta e munta vontade
de vê seu fio inducado!
O minino é discarado!!
Mas porém, óie!!... é bom fio!

Quando ele vê sua mãe
e seu pae amachucado,
si da muié cá da Corte
faz um bruto assarvajado,
se faz d’um hôme outro bruto,
crué, disprepositado,
séje, como eu, um gaitêro,
ou sêje um doutô fromádo,
quanto mais um coração,
um coração de cabôca,
que não foi cirvilizado!?

Patrão, agora, eu pregunto:
o que era aquilo? O que era?

Vasmincê vai me dizê
que aquilo era estupideza
da muié lá do sertão!...

Que a muié tinha a fêrêza
d’um urutu, d’uma fera!
E vasmincê tem rézão!

Era uma fera, firida
no fundo do coração!

Isto, sim, é que é muié
que sabe amá, meu patrão!

Vindo do amô, do ciúme,
das mãos do amô, das mão dela,
ante o siná da chinela
na cara, cum um bofetão,
que um bêjo, um bêjo de Juda
na boca da Inducação!

A Tudinha não prendeu
a batê língua, ispritada,
cumo essa moça inducada,
que tinha o tempo vadio!...
Mas porém a Cunceição
não sabia batê roupa,
cumo a Tudinha, a cabôca,
lavando à bêra do rio!!

Eu ánte quiria sé
a pedra adonde lavava
sua roupa a lavadêra,
do que sê todos os livro
que ensinava a Cunceição
p’ra falá tanta porquêra!

A muié mais sem vrêgonha
é a Sinhora Inducação!

Inducação!!? Que hirizia!

Danada! Eu te discunjuro,
im nome da Mãe de Deus,
da Santa Virge Maria!

Os mato, as árve, as choupana,
os rio, os córgo, a boiada,
as roça e mais as quêmada,
o machado, a foice, a inxada,
a lua, as noite istrelada,
as viola e as magua chorada
no coração das tuada,
o canto da passarada...
não pércisa de ti, não!

Inducaçãoü Prú piadade!

Tu naceu cá na cidade!!

Não vai mexê cum essa gente
das terra do meu sertão.



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VOCABULÁRIO
Ganzá — instrumento de folha, com pedrinhas dentro.
Tapuio — descendente de índio.
Dos verde — do sertão, dos matos.
Pipoca — milho torrado na cinza.
Fazer cêra — namorar.
Sedenho — cauda do animal.
Amojada — que ia dar à luz.
Passóca — carne seca com farinha, socada no pilão.
Instranja — das terras estrangeiras.
Guarapêra — choça.
Imbuzada — comida do fruto do imbuzeiro e leite.
Tiriúma — desconsolado, desconcertado.
Isgruvitá — fazer piruetas.
Jaráuacica — planta.
Gurumgumba — cacete.
Cróá — corda feita dessa planta.
Barbatão — touro bravio.
Capeta — o diabo.
Vim-Vim — passarinho, cujo canto diz seu nome.
Sarado — experimentado na vida.
Inxirido — intrometido.
Ruê coirana — estar enciumado.
Assuntá — considerar, conversar, pensar, etc.
Muxinga — sova.
Caxinxe — macaquinho.
Intanha — sapo-boi.
Sucúrújuba — cobra venenosa.
Dor de canela — ciúme.
Córgo — córrego.
Má de rengo — doença que dá no gado.


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O Marroeiro
Este marroeiro (moço) vai contar o seu caso a outro marroeiro velho, centenário, celibatário e tocador de viola, como ele.

O “Velho Marroeiro”, novo poema em resposta a este, encontra-se no livro “Mata Iluminada”.

Esta a razão por que o autor substituiu o vocativo — Sá dona — por — Marroeiro.

É a primeira vez que este poema é publicado na integra, sob as vistas do autor.


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O MARROEIRO
A Alberto Nunes Filho

MARRUÊRO, eu sou marruêro!...
Nacendo, cumo tinguí,
fui ruim, cumo piranha,
mais pió que sucuri.

Pixúna daquelas banda,
véve a gente a campiá!...
Deus fez o hôme, marruêro,
prá vivê sêmpe a lutá.

Meu pae foi bixo timíve
e eu fui timíve tombém!
O pinto já sáe do ovo
cum a pinta que o galo tem.

Se meu pae foi marruêro,
havéra de eu tá na tóca,
a rapá no caitetú
a massa da mandioca?!

Bebedô de maduréba,
pissuindo carne e caroço,
eu nunca vi cabra macho
que me fizesse sobroço!

Nunca drumí uma noite
imbaxo de tejupá!...
Nascí prá vivê nas gróta,
prá vivê nos môcôsá...
prá drumi longe dos rancho,
prú-riba duns gravatá...
vendo a lua pulas fôia
d’um férmôso iriribá!

*

Nos gaio da umarizêra,
o cantá do sanhassú;
na boca triste da noite,
o gimido da inhabú...

e as tuada da cabôca,
lavando n’agua do rio,
e os canto, prú via dela,
nos samba... nos disafio...

nada disso, não, marruêro,
me dava sastifação,
cumo o mugido bravio
dos valente barbatão!

Nada fazia, marruêro,
o coração me pulá,
cumo uvi pulas varjóta,
os berro dos marruá!

*

Na paz de Deus eu vivia
nos brêdo dos matagá,
tocando a minha viola
só prá meu gado iscutá.

Lá, prás banda onde eu nascí,
já se falava do amô:
todas as boca dizia
que era farso e matadô!

Mas porém, foi trazantonte,
no samba do Zé Benito,
que eu panhei uma chifrada
que me deu esse mardito!

Nas marvadage do Amô
não hay cabra que não cáia,
quando o diabo tira a roupa,
tira o chifre e tira o rabo
prá se vistí c’uma saia!

Se adisfoiando no samba,
cantando uma alouvação,
eu vi a frô dos cabórge
das morena do sertão!

Trazia dento dos óio
istrépe e mé, cumo a abêia!
Oiôu-me cumo uma onça!...
E, ao despois, cumo uma ovêia!

Aqueles óio xingôso,
eu confesso a vasmincê,
ruía a gente prú dento
que nem dois caxinguêlê!

Sem mardade, um bêjo dado
naquela boca orvaiada,
havéra de tê, marruêro,
o chêro das madrugada!

A fala dela, marruêro,
era o gemê do regato,
que vae bêjando as fôiáge,
que cáe da boca dos mato!

As duas rôla morena,
prú baxo do cabeção,
trimia, cumo a água fresca,
quando o vento bêja as água
das lagoa do sertão!...

Pruquè os dois peito alembrava
dois maduro cajá-manga,
e a boca, toda vremeia,
parecia uma pitanga.

Chêrava as mão da cabôca,
cumo os verde maturi!...
Era taliquá, marruêro,
dois ninho de juruti!

Os pezinho da curumba,
quando dançava o baião,
parecia dois pombinho,
a mariscá pulo chão!

Eu me alembro!... A saia dela,
cô das pena da irerê,
tinha a sôdade dos mato,
quando vae anoitecê!!

Aqueles braço de fogo,
(Deus não me castigue, não!!)
quêmava, cumo as fuguêra
das noite de São João!...

Marruêro!... Os cabelo dela
tinha o calô naturá
da pomba virge dos mato,
quando cumeça a aninhá!...

Apois, os cabelo dela
tão preto prô chão caia,
que toda a frô que butava
nos cabelo, a frô murchava,
pensando que anoiticia!!

O suô que ela suava
no samba, chêrava tanto,
que inté a gente sintia
um chêro de ingreja nova,
um chêro de dia santo!

As anca, as cadêra dela,
surrupiando no côco,
toda a se tamborilá,
a móde que parecia
o xaquaiá de uma onda,
que vem jupiando, redonda,
na praia se derramá!

Japiaçóca dos brejo,
no arrastado do rojão,
cantava cum tanta magua,
cum tanto amô e paxão,
que ispaiava, no terrêro,
o ôrôma do coração!!

O coração das viola
aparava, de mansinho,
se os dois fióte de rola,
quando ela táva sambando,
pulava fora do ninho!...

Entonce, aqueles dois óio,
sereno, cumo o luá,
vinha prá riba da gente,
taliquá dois marruá.

Intrava dento da gente,
cumo duas zelação!...
Mas porém, a gente via,
no fundo daqueles óio,
a hora da Ave-Maria,
gemendo nas corda fria
das viola do sertão!!!

*

Prú móde daqueles óio,
dois marvado mucuim,
um violêro, afulémado,
partiu prá riba de mim!

Temperei minha viola,
intrei logo a puntiá,
e ambos os dois se peguêmo,
n’um disafio, ao luá!

Premití a Santo Antônio,
se eu vencesse o cantandô,
de infeitá o seu fiínho
cum um ramaiête de frô!!

Só despois que nestas corda
fiz pinto cessá xerêm,
vi que o bichão se chamava:
— Manué Joaquim do Muquêm!

Manué Joaquim era um cabra
naturá de Piancó!...
Quando gimia no pinho,
chorava, cumo um jaó!

Eu, marruêro, arrespundia
nestas corda de quandú,
e os acalanto se abria,
cumo as frô do imbiruçú!

Foi despois do disafio,
quando eu saí vencedô,
que os canto e os gemê dos pinho
n’um turumbamba acabou!!

Imquanto nós dois cantava,
sem ninguém té dado fé,
tinha fugido a cabôca
cum o Pedro Cachitoré!!!

Tinha fugido a curumba
cum aquele bode ronhêro,
um tocadô de pandêro
e runfadô de zabumba!

Tinha fugido, marruêro,
aquela frô dos meus ai,
cumo uma istrela que foge,
sem se sabê prá onde vai!!!

Na luz do Só, que acordava,
lá, no coró do Nascente,
a móde que Deus, contente,
cum a natureza sonhava!

O canto alegre dos galo
nos capoerão amiudava!...
Nos taquará das lagoa
as saracúra cantava!...

Alegre, passava um bando
das verde maracanã!...
Férmosa, cumo a cabôca,
vinha rompendo a minhã!

O vento manso da serra
vinha acordando os caminho!
Vinha das mata chêrosa
um chêro de passarinho!...

Lá, no fundão d’uma gróta,
adonde um córgo gimía,
gargaiava as siriêma
cum o fresco nacê do dia!

Uma araponga, atrépada
n’um braço de mato, im frô,
gritava, cumo si fosse
os grito da minha dô!!

E a sabiá, lá nos gaio
da tabibúia, serena,
trinava, cumo si fosse
uma viola de pena!

Um passarinho inxirido,
mardosamente iscundido
nas fôia de um tamburi,
sastifeito, mangofando,
de mim se ria, gritando
lá de longe: “bem te vi”!

*

Chegando na incruziada,
despois do dia rompê,
sipurtei o meu segredo
n’um véio tronco de ipê!

Dendê essa hora, inté hoje,
eu conto as hora, a pená!...
Eu vórto a sê marruêro!...
Vou vive cum os marruá!

Eu tinha o corpo fechado
prá tudo o que é marvadez!
Só de surúcúcútinga
eu fui murdido trez vez!...

Tândo cum o corpo fechado,
prás feitiçage do Amô,
pensei que eu tava curado!

Dos marruá mais bravio,
que nos grotão derribei,
munta chifrada penosa,
munta marrada eu levei!!

Prá riba de mim, Deus pôde
mandá o que ele quizé!

O mundo é grande, marruêro!...
Grande é o amô!... Grande é a fé!...

Grande é o pudê de Maria,
ispôsa de São José!...

O Diabo, o Anjo mardito,
foi grande!... Cumo inda é!!

Mas porém, nada é mais grande,
mais grande que Deus inté,
que uma chifrada, marruêro,
dos óio d’uma muiéü!


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VOCABULÁRIO
Marruá — touro.
Marruêro — pastor do gado.
Tinguí — erva venenosa.
Piranha — peixe mordedor.
Sucuri — cobra.
Pixuna — rato selvagem.
Mandurêba — cachaça.
Campiá — andar à busca de gado, pelos campos.
Sobroço — medo.
Tejupá — cobertura de palha.
Mocôsâ — caverna.
Borbatão — touro.
Alouvação — canto, louvando alguém.
Cabórge — feitiço.
Istrépe — espinho.
Caxinguelê — animal roedor.
Baião — dança.
Irerê — ave palmípede.
Japiaçóca — ave ribeirinha.
Rojão — toque de viola.
Zelação — estrela cadente.
Mucuim — parasita que se introduz na pele.
Afulémado — raivoso.
Puntiá — preludiar na viola.
Pinto cessá xerém — fazer bonito.
Jaó — ave de canto melancólico.
Maracanã — periquito.
Araponga — ave também chamada Ferreiro, de grito agudíssimo.
Corpo fechado — aquele que por meio de rezas e outras superstições, fica isento de mordeduras e feitiços.
Surúcúcútinga — cobra venenosíssima.


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O Lenhador

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O LENHADOR
À memória de Paulo Silva Araújo

UM lenhadô derribava
as árve, sem percizão,
e sêmpe a vó li dizia!
“Meu fio: tem dó das árve,
que as árve tem coração!”

O lenhadô, n’um muchôcho,
e rindo, cumo um sarváge,
dizia que os seus consêio não
passava de bobage.

Às vez, meu branco, o marvado,
acordando munto cedo,
pegava no seu machado,
e levava o dia intêro,
iscangaiando o arvoredo.

E a vó, supricando im vão,
sêmpe, sêmpe li dizia:
“Meu fio: tem dó das árve,
que as árve tem coração!”

N’uma minhâ, o mardito,
inda mais bruto que os bruto,
sem fazê caso dos grito
da sua vó, que já tinha
mais de noventa janêro,
botou no chão um ingazêro,
carregadinho de fruto.

D’outra feita, o arrenegado
fez pió, munto pió!
Disgaiou a laranjêra
da pobrezinha da vó,
uma veia laranjêra,
donde ela tirou as frô
prá leva no seu vistido,
quando, virge, si casou
cum o véio, que tanto amou,
cum o difunto... o falicido!!

E a vó, supricando im vão,
sêmpe, sêmpe li dizia:
“Meu fíio: tem dó das árve,
que as árve tem coração!”

Do lado do capinzá,
adonde pastava o gado,
táva um grande e véio ipê,
que o avô tinha prantado.

Despois de levá na roça
c’uma inxada a iscavacá,
debáxo d’aquela sombra,
nas hora quente do dia,
vinha o véio discansá.

Se era noite de luá,
ali, num banco de pedra,
c’uma viola cunversando,
o véio, já caducando,
rasgava o peito a cantá.

Apois, meu branco, o tinhoso,
o bruto, o máo, o tirano,
a fera disnaturada,
um dia jogou no chão
aquela árve sagrada,
que tinha mais de cem ano!

Mas porém, quando o tinhoso
isgaiava o grande ipê,
viu uns burbuio de sangue
do tronco véio iscorrê!

Sacudiu fora o machado,
e deu de perna a valê!

E foi correndo!... correndo!!

Cada tronco que ia vendo
das árve que ele torou,
era um braço alevantado
d’um hôme, meio interrado,
a gritá: “Vae-te, marvado!...
Assassino!... Matadô!
Foi Deus quem te castigou!”

E foi correndo!... correndo!!

Cada vez curria mais!

Mas porém, quando, já longe,
uma vez ôiou prá-traz,
vendo o ipê alevantado,
cumo um hôme insanguentado,
cum os braço todo torado...
cada vez curria mais!

Na barranca do caminho,
abandonado, um ranchinho,
entre os mato entonce viu!
Quê vê se isbarra e discansa
e o ranchinho, prú vingança,
im riba d’ele caiu!

E foi correndo e gritando!
E as árve, que ia topando,
e que má pudia vê,
cumo se fosse arrancada
cum toda a raiz da terra,
n’uma grande adisparada
ia atrás d’ele a corrê!!

Na boca da incruziada
vendo uma gruta fechada
de verde capuangá,
o hôme introu pulos mato,
que logo que viu o ingrato,
de mato manso e macio,
ficou sendo um ispinhá!

E foi outra vez correndo,
cansado, pulos caminho!...

Toda a pranta que incontrava,
o capim que ele pisava
táva crivado de ispinho!!

Curria... e não aparava!!!

Ia correndo, sem tino,
cumo o marvado, o assassino,
que um inocente matou!

Mas porém, na sua frente,
o que ele viu, de repente,
que, de repente, impacou?!

Era um rio que passava,
ali, n’aquele lugá!!
O rio tinha unia ponte,
que nós chamemo — pinguéla...

O hôme foi travessá!
Pôs o pé... Ia passando...
E a ponte rangeu, quebrando...
e toca o bicho a nadá!!!

O bruto tava afogando,
mas porém, sêmpe gritando:
“Socorro, meu Deus, soccorro!
“Socorro, que eu vou morrê!!
“Eu juro a Deus, supricando,
“nunca mais na minha vida
“uma só árve ofendê!!!

Entonce, um verde ingazêro
que táva im riba das água,
isticou um braço verde,
dando ao hôme a sarvação!

O hôme garrou no gaio,
no gaio cum os dente aférra,
foi assubindo... assubindo..
e quando firmou im terra,
chorava, cumo um jobão!

Bêjando o gaio e chorando,
dizia: “Munto obrigado!
“Deus te faça, abençoado,
“todo o ano té verdô!
“Vou rebentá meu machado!
“Quero isquecê meu passado!
“Não serei mais lenhadô!”

....................
....................
....................

Despois d’esta jura santa,
prá tê de todas as pranta
a graça, o perdão intêro
dos crime de hôme ruim,
foi se fazê jardinêro,
e não fazia outra coisa
sinão trata do jardim.

A vó, que já carregava
mais de noventa janêro,
dizia que neste mundo
nunca viu um jardinêro,
que fosse tão bom ansim!

Drumia todas as noite,
dêxando a jinela aberta,
prá iscutá todo o rumô,
e às vez, inté artas hora,
ficava, ali na jinela,
uvíndo o sonho das frô!

De minhã, de minhã cedo,
lá ia sabê das rosa,
dos cravo, das sêmpe-viva,
das manguinolia chêrosa,
se tinha drumido bem!
Tinha cuidado cum as rosa
que munta vó carinhosa
cum os seus netinho não tem!

Dizia a uma frô: “Bom dia!
“Cumo tá hoje vremêia!...”
Dizia a outra: “Coitada!
“Perdeu seu mé!... Foi róbada!
“Já sei quem foi!... Foi a abêia!”

Despois, cum pena das rosa,
que parece que chorava,
batia leve no gaio,
e as rosa disavexava
daqueles pingo de orvaio!

Ia panhando do chão,
as frô que no chão caia!

Despois, cum as costa da mão,
alimpando os pingo d’agua
que vinha do coração,
batia im riba do peito,
cumo quem faz cunfissão.

Quando no sino da ingrêja
tocava as Ave-Maria,
nos cantêro, ajueiado,
pidia a Deus pulas arma
das frô, que naquele dia
no jardim tinha interrado!

E agora, quando passava
junto das árve, cantando,
cheio d’agua carregando
o seu véio regadô,
as árve, filiz, contente,
que o lenhadô perduava,
no jardinêro atirava
as suas parma de frô!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Veja leia e espalhaaí

A peleja do @poetacicero contra @sony bestafera
vinde musa inspiradora
do reino de Eloin
para que eu possa contar
a saga da minha história
do começo meio e fim
contra a @sony bestafera
pense numa empresa ruim.


eu vivia sussegado
na minha vida normal
todo dia a mesma coisa
era o meu natural
minha mulé falou, se liga!
vem pru mundo digital!

E me deu um computador,
maravilhosa invenção.
entrei logo pru Orkut
sem perder ocasião
myspace facebook
e no twitter bacanão.

fiquei um cara antenado
na ginga dessa moçada
e nas redeas sociais
topo eu qualquer parada.
Solidariedade é meu lema
na paz da nossa jornada.


Ja fazendo mais de um mês
que meu Vaio então pifou,
foi-se embora a alegria,
acabou meu bom humor.
de 7 dias pro conserto
virou mais de 30 de terror.

Eu ligo pra Servicompo
empresa especializada,
a moça diz,meu amigo,
eu não posso fazer nada,
a @sony não manda a peça,
olhe só que presepada.

É essa a situação
de um matuto acabrunhado,
como uma multinacional
não ter peças em reservado,
e o meu pobre Vaio
tão triste desmantelado.

Com puta dor é o nome
dessa maravilhosa invenção
que a faz gnt se comunicar
em qualquer ocasião,
mais pra mim virou tristeza
mágoa e decepção.


Pois quero meu Vaio de volta
direitinho e consertado
pois @sony sua peste
vai ficar ruim pru seu lado,
não foi de graça foi pago
tô mandando meu recado.



Conclamo todos amigos
do reino da twitosfera
me ajudem nessa luta
contra a @sony bestaferera,
ela é pior do que ovo
quando gora e desunera.

retuitem minhas mensagens,
eu peço de coração,
cada amigo chama um amigo
assim se faz a união,
como o povo do Egito
derrubou o tiranão.


Minha gente eu vou embora
meu menino tá que chora
a minha mulher me chama
que já vai romper aurora
me ajude no twitter
pra ver o fim da história...


zé do biu das alagoas,
enviou e eu postei,
obrigado amigo,irmão.
Postado por Poeta Cicero Gomes às 11:27 0 comentários

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Um poema do Patativa

Patativa do Assaré





O Sabiá e o Gavião





Eu nunca falei à toa.
Sou um cabôco rocêro,
Que sempre das coisa boa
Eu tive um certo tempero.
Não falo mal de ninguém,
Mas vejo que o mundo tem
Gente que não sabe amá,
Não sabe fazê carinho,
Não qué bem a passarinho,
Não gosta dos animá.

Já eu sou bem deferente.
A coisa mió que eu acho
É num dia munto quente
Eu i me sentá debaxo
De um copado juazêro,
Prá escutá prazentêro
Os passarinho cantá,
Pois aquela poesia
Tem a mesma melodia
Dos anjo celestiá.

Não há frauta nem piston
Das banda rica e granfina
Pra sê sonoroso e bom
Como o galo de campina,
Quando começa a cantá
Com sua voz naturá,
Onde a inocença se incerra,
Cantando na mesma hora
Que aparece a linda orora
Bejando o rosto da terra.

O sofreu e a patativa
Com o canaro e o campina
Tem canto que me cativa,
Tem musga que me domina,
E inda mais o sabiá,
Que tem premêro lugá,
É o chefe dos serestêro,
Passo nenhum lhe condena,
Ele é dos musgo da pena
O maiô do mundo intêro.

Eu escuto aquilo tudo,
Com grande amô, com carinho,
Mas, às vez, fico sisudo,
Pruquê cronta os passarinho
Tern o gavião maldito,
Que, além de munto esquisito,
Como iguá eu nunca vi,
Esse monstro miserave
É o assarsino das ave
Que canta pra gente uví.

Muntas vez, jogando o bote,
Mais pió de que a serpente,
Leva dos ninho os fiote
Tão lindo e tão inocente.
Eu comparo o gavião
Com esses farão cristão
Do instinto crué e feio,
Que sem ligá gente pobre
Quê fazê papé de nobre
Chupando o suó alêio.

As Escritura não diz,
Mas diz o coração meu:
Deus, o maió dos juiz,
No dia que resorveu
A fazê o sabiá
Do mió materiá
Que havia inriba do chão,
O Diabo, munto inxerido,
Lá num cantinho, escondido,
Também fez o gavião.

De todos que se conhece
Aquele é o passo mais ruim
É tanto que, se eu pudesse,
Já tinha lhe dado fim.
Aquele bicho devia
Vivê preso, noite e dia,
No mais escuro xadrez.
Já que tô de mão na massa,
Vou contá a grande arruaça
Que um gavião já me fez.

Quando eu era pequenino,
Saí um dia a vagá
Pelos mato sem destino,
Cheio de vida a iscutá
A mais subrime beleza
Das musga da natureza
E bem no pé de um serrote
Achei num pé de juá
Um ninho de sabiá
Com dois mimoso fiote.

Eu senti grande alegria,
Vendo os fíote bonito.
Pra mim eles parecia
Dois anjinho do Infinito.
Eu falo sero, não minto.
Achando que aqueles pinto
Era santo, era divino,
Fiz do juazêro igreja
E bejei, como quem bêja
Dois Santo Antõi pequenino.

Eu fiquei tão prazentêro
Que me esqueci de armoçá,
Passei quage o dia intêro
Naquele pé de juá.
Pois quem ama os passarinho,
No dia que incronta um ninho,
Somente nele magina.
Tão grande a demora foi,
Que mamãe (Deus lhe perdoi)
Foi comigo à disciprina.

Meia légua, mais ou meno,
Se medisse, eu sei que dava,
Dali, daquele terreno
Pra paioça onde eu morava.
Porém, eu não tinha medo,
Ia lá sempre em segredo,
Sempre. iscondido, sozinho,
Temendo que argúm minino,
Desses perverso e malino
Mexesse nos passarinho.

Eu mesmo não sei dizê
O quanto eu tava contente
Não me cansava de vê
Aqueles dois inocente.
Quanto mais dia passava,
Mais bonito eles ficava,
Mais maió e mais sabido,
Pois não tava mais pelado,
Os seus corpinho rosado
Já tava tudo vestido.

Mas, tudo na vida passa.
Amanheceu certo dia
O mundo todo sem graça,
Sem graça e sem poesia.
Quarqué pessoa que visse
E um momento refritisse
Nessa sombra de tristeza,
Dava pra ficá pensando
Que arguém tava malinando
Nas coisa da Natureza.

Na copa dos arvoredo,
Passarinho não cantava.
Naquele dia, bem cedo,
Somente a coã mandava
Sua cantiga medonha.
A menhã tava tristonha
Como casa de viúva,
Sem prazê, sem alegria
E de quando em vez, caía
Um sereninho de chuva.

Eu oiava pensativo
Para o lado do Nascente
E não sei por quá motivo
O só nasceu diferente,
Parece que arrependido,
Detrás das nuve, escondido.
E como o cabra zanôio,
Botava bem treiçoêro,
Por detrás dos nevoêro,
Só um pedaço do ôio.

Uns nevoêro cinzento
Ia no espaço correndo.
Tudo naquele momento
Eu oiava e tava vendo,
Sem alegria e sem jeito,
Mas, porém, eu sastifeito,
Sem com nada me importá,
Saí correndo, aos pinote,
E fui repará os fiote
No ninho do sabiá.

Cheguei com munto carinho,
Mas, meu Deus! que grande agôro!
Os dois véio passarinho
Cantava num som de choro.
Uvindo aquele grogeio,
Logo no meu corpo veio
Certo chamego de frio
E subindo bem ligêro
Pr’as gaia do juazêro,
Achei o ninho vazio.

Quage que eu dava um desmaio,
Naquele pé de juá
E lá da ponta de um gaio,
Os dois véio sabiá
Mostrava no triste canto
Uma mistura de pranto,
Num tom penoso e funéro,
Parecendo mãe e pai,
Na hora que o fio vai
Se interrá no cimitéro.

Assistindo àquela cena,
Eu juro pelo Evangéio
Como solucei com pena
Dos dois passarinho véio
E ajudando aquelas ave,
Nesse ato desagradave,
Chorei fora do comum:
Tão grande desgosto tive,
Que o meu coração sensive
Omentou seus baticum.

Os dois passarinho amado
Tivero sorte infeliz,
Pois o gavião marvado
Chegou lá, fez o que quis.
Os dois fiote tragou,
O ninho desmantelou
E lá pras banda do céu,
Depois de devorá tudo,
Sortava o seu grito agudo
Aquele assassino incréu.

E eu com o maiô respeito
E com a suspiração perra,
As mão posta sobre o peito
E os dois juêio na terra,
Com uma dó que consome,
Pedi logo em santo nome
Do nosso Deus Verdadêro,
Que tudo ajuda e castiga:
Espingarda te preciga,
Gavião arruacêro!

Sei que o povo da cidade
Uma idéia inda não fez
Do amô e da caridade
De um coração camponês.
Eu sinto um desgosto imenso
Todo momento que penso
No que fez o gavião.
E em tudo o que mais me espanta
É que era Semana Santa!
Sexta-fêra da Paixão!

Com triste rescordação
Fico pra morrê de pena,
Pensando na ingratidão
Naquela menhã serena
Daquele dia azalado,
Quando eu saí animado
E andei bem meia légua
Pra bejá meus passarinho
E incrontei vazio o ninho!
Gavião fí duma égua!