segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Homenagem a Viçosa

Homenagem a Viçosa

JOÃO DE LIMA DE ALAGOAS

1

Eu quero ver a Viçosa
Mais bela e mais importante
A população sadia
Tomando refrigerante
Ouvindo som de viola
No bar Trovador Berrante

2

Eu quero ver a Viçosa
Com mais nitidez e brilhos
Ouvindo apitos sonoros
Do trem correndo nos trilhos
Como o pai que volta alegre
Para beijar os seus filhos

3

Eu quero ver a Viçosa
Sendo a cidade mais bela
Jesus olhando de cima
Como quem abre a janela
Da sua casa paterna
Para cantar dentro dela

4

Eu quero ver a Viçosa
Bonita igualmente à Lua
Como a mãe que vê o filho
Beijando na face sua
Onde o ódio se extingue
E o amor se perpetua

5

Eu quero ver a Viçosa
Bonita como a aurora
Onde o filho não precise
Deixar a mãe que adora
Pra sair banhado em pranto
Procurar emprego fora

6

Eu quero ver a Viçosa
Bonita como o luar
Onde o anjo do Senhor
Nunca deixe de mirar
A sua face divina
No santo espelho solar

7

Eu quero ver a Viçosa
Com mais alegria e festa
Os passarinhos alegres
Gorgeando na floresta
Os anjos do céu dizendo
A terra de Deus é esta

A chegada de Lampião do Inferno

|



A chegada de Lampião no inferno
José Pacheco da Rocha

Um cabra de Lampião
Por nome Pilão Deitado
Que morreu numa trincheira
Em certo tempo passado
Agora pelo sertão
Anda correndo visão
Fazendo mal-assombrado

E quem foi quem trouxe a notícia
Que viu Lampião chegar
O inferno neste dia
Faltou pouco pra virar
Incendiou-se o mercado
Morreu tanto cão queimado
Que faz pena até contar

Morreu a mãe de Canguinha
O pai de Forrobodó
Três netos de Parafuso
Um cão chamado Cotó
Escapuliu Boca Insossa
E uma moleca nova
Quase queimava o totó

Morreram dez negros velhos
Que não trabalhavam mais
E um cão chamado Traz-cá
Vira-Volta e Capataz
Tromba Suja e Bigodeira
Um por nome de Goteira
Cunhado de satanás

Vamos tratar da chegada
Quando Lampião bateu
Um moleque ainda moço
No portão apareceu:
— Quem é você, cavalheiro?
— Moleque, eu sou cangaceiro
Lampião lhe respondeu

— Moleque, não! Sou vigia
E não sou seu pariceiro
E você aqui não entra
Sem dizer quem é primeiro
— Moleque, abra o portão
Saiba que sou Lampião
Assombro do mundo inteiro

Então esse tal vigia
Que trabalha no portão
Dá pisa que voa cinza
Não procura distinção
O negro escreveu não leu
A macaíba comeu
Lá não se usa perdão

O vigia disse assim:
— Fique fora que eu entro
Vou conversar com o chefe
No gabinete do centro
Por certo ele não lhe quer
Mas conforme o que disser
Eu levo o senhor pra dentro

Lampião: — Vá logo
Quem conversa perde hora
Vá depressa e volte já
Eu quero pouca demora
Se não me derem ingresso
Eu viro tudo asavesso
Toco fogo e vou embora

O vigia foi e disse
A satanás no salão:
— Saiba, vossa senhoria
Aí chegou Lampião
Dizendo que quer entrar
E eu vim lhe perguntar
Se dou-lhe o ingresso ou não

— Não senhor, satanás disse
Vá dizer que vá embora
Só me chega gente ruim
Eu ando muito caipora
Estou até com vontade
De botar mais da metade
Dos que têm aqui pra fora

Lampião é um bandido
Ladrão da honestidade
Só vem desmoralizar
A minha propriedade
E eu não vou procurar
Sarna para me coçar
Sem haver necessidade

Disse o vigia: — Patrão
A coisa vai arruinar
Eu sei que ele se dana
Quando não puder entrar
Satanás disse: — Isso é nada
Convide aí a negrada
E leve os que precisar

Leve três dúzias de negros
Entre homem e mulher
Vá na loja de ferragem
Tire as armas que quiser
É bom escrever também
Pra virem os negros que tem
Mais compadre Lucífer

E reuniu-se a negrada
Primeiro chegou Fuxico
Com um bacamarte velho
Gritando por Cão de Bico
Que trouxesse o pau da prensa
E fosse chamar Trangença
Na casa de Maçarico

E depois chegou Cambota
Endireitando o boné
Formigueiro e Trupizupe
E o crioulo Quelé
Chegou Benzeiro e Pacaia
Rabisca e Cordão de Saia
E foram chamar Bazé

Veio uma diaba moça
Com a calçola de meia
Puxou a vara da cerca
Dizendo: — A coisa está feia
Hoje o negócio se dana
E disse: — Eita baiana
Agora a ripa vadeia

E lá vai a tropa armada
Em direção do terreiro
Pistola, faca e facão
Clavinote e granadeiro
E um negro também vinha
Com a trempe da cozinha
E o pau de bater tempero

Quando Lampião deu fé
Da tropa negra encostada
Disse: — Só na Abissínia
Oh! Tropa preta danada
O chefe do batalhão
Gritou: — As armas na mão
Toca-lhe fogo, negrada!

Nessa voz ouviu-se tiros
Que só pipoca no caco
Lampião pulava tanto
Que parecia macaco
Tinha um negro nesse meio
Que durante o tiroteio
Brigou tomando tabaco

Acabou-se o tiroteio
Por falta de munição
Mas o cacete batia
Negro embolava no chão
Pau e pedra que pegavam
Era o que as mãos achavam
Sacudiam em Lampião

— Chega, traz um armamento
Assim gritava o vigia
Traz a pá de mexer doce
Lasca os ganchos de Caria
Traz o birro de Maçau
Corre vai buscar um pau
Na cerca da padaria

Lucífer mais satanás
Vieram olhar do terraço
Todos contra Lampião
De cacete, faca e braço
O comandante no grito
Dizia: — Briga bonito
Negrada, chega-lhe o aço

Lampião pode apanhar
Uma caveira de boi
Sacudiu na testa dum
Ele só fez dizer: — Oi!
Ainda correu dez braças
E caiu enchendo as calças
Mas eu não sei de que foi

Estava a luta travada
Já mais de hora fazia
A poeira cobria tudo
Negro embolava e gemia
Porém Lampião ferido
Ainda não tinha sido
Devido a sua energia

Lampião pegou um seixo
E o rebolou num cão
A pedrada arrebentou
A vidraça do oitão
Saiu um fogo azulado
Incendiou-se o mercado
E o armazém de algodão

Satanás com esse incêndio
Tocou um búzio chamando
Correram todos os negros
Os que estavam brigando
Lampião pegou olhar
Não viu mais com quem brigar
Também foi se retirando

Houve grande prejuízo
No inferno nesse dia
Queimou-se todo dinheiro
Que satanás possuía
Queimou-se o livro de pontos
Perderam seiscentos contos
Somente em mercadorias

Reclamava satanás:
— Horror maior não precisa
Os anos ruins de safra
E mais agora essa pisa
Se não houver bom inverno
Tão cedo aqui no inferno
Ninguém compra uma camisa

Leitores, vou terminar
Tratando de Lampião
Muito embora que não posso
Vos dar a resolução
No inferno não ficou
No céu também não chegou
Por certo está no sertão

Quem duvidar nessa história
Pensar que não foi assim
Querer zombar do meu sério
Não acreditando em mim
Vá comprar papel moderno
Escreva para o inferno
Mande saber de Caim.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A cartilha do mundo é quem ensina

o poeta é quem canta em seu programa
muitas coisas que o povo não percebe
por que sapo tem leite e ninguém bebe
por que gia tem leite e ninguém mama
e no lugar que tem água,barro e lama
João de Barro faz casa sem cimento
não precisa alicerce,escoramento
não arreia,não cai e não inclina
A cartilha do mundo é quem ensina
O poeta a cantar com sentimento.



Geraldo Amâncio

domingo, 4 de setembro de 2011

PInto do Monteiro e João Furiba



Do livro de Zelito Nunes, “Pinto velho do Monteiro – um cantador sem parelhas”, apesar de o livro ser todo bom, tem trechos que achei bastante engraçado e que retratam o espírito puro e criativo do povo sertanejo encarar a vida mesma quando a situação não é das melhores. Uma dessas diz respeito a uma visita que o cantador João Furiba foi fazer ao poeta Pinto do Monteiro.
Pinto já se encontrava doente e sem enxergar quando Furiba chegou na porta de sua casa e, saudando o poeta, disse:

“Há tempo em que eu não vinha
nesta santa moradia
visitar o velho Pinto
Me traz tanta alegria
Que é mesmo que ter tirado
O bolão da loteria”

Pinto com muito bom humor, disse:

“Eu não imaginaria
que você chegasse agora
Com essa sua presença
Obtive uma melhora
Quer ver eu ficar bom mesmo
É quando você for embora”

Se quizer mais, compre o livro:
zelitonunes@gmail.com

Belo Poema de Pinto do Monteiro

Pinto do Monteiro – poema





Eu comparo esta vida
à curva da letra S:
tem uma ponta que sobe
tem outra ponta que desce
e a volta que dá no meio
nem todo mundo conhece

Esta palavra saudade
conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade (é lembrança)
saudade só é saudade
quando morre a esperança

Aonde eu chego, não vi
Mal que não desapareça
Raposa que não se esconda
Bravo que não me obedeça
Letrado que não me escute
Cantor que não endoideça

Cantar com quem canta pouco
é viajar numa pista
com um carro faltando freios
o chofer faltando a vista
e um doido gritando dentro
atola o pé motorista

Minha corda não se estica
não se tora nem se enverga
da terra pro firmamento
meu pensamento se alberga
em um lugar tão distante
que lente nenhuma enxerga

Eu vou fazer uma casa
na Serra da Carnaíba
a frente pra Pernambuco
as costas pra Paraíba
só pra não ver duas coisas:
Nem Sumé, nem João Furiba

Há vários dias que ando,
Com o satanás na corcunda:
Pois, hoje, almocei na casa
Duma negra tão imunda,
Que a prensa de espremer queijo
Era as bochechas da bunda!

sábado, 14 de maio de 2011

Me quedé sin mi Sony Vaio

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Hay un viejo dicho

que mi padre ya me habia dicho

usted conoce a un hombre de verdad

cuando el mantiene su palabra

siguiendo este viejo adagio

me han aporreado

y era justo lo que necesitaba



Por 114 dias

libre una lucha fuerte

para arreglar mi Sony VAIO

luché del sur al norte

mas conte con mis amigos

porque esa fue mi suerte



Marino, allá en San Diego

sintió mi angustia

y en Twitter el me dijo

voy a resolver el problema

y solo basto un simple email

para disipar la confusión



Luego llego mi Vaio

en el día acordado

me llenó de alegría

y me quede ahi paralizado

cuando abrí el paquete

Por Dios, que fina y bella esa laptop es!



Cuando mi esposa

vio esa hermosa computadora

ella se apresuró a decir esta es mía!

Dios mio qué horror!

ella se quedó con mi VAIO

es cierto mi señor.



La guardo en el armario

y bajo llave la encerro

mientras mi tristeza se disipaba

el calor en mi aumentaba,

que mujer sin corazón!

lo que ella hizo conmigo

no se le hace a un buen cristiano



Ahora ella está siempre presumiendo

con su hermosa VAIO

mientras yo aqui agonizando

sintiendo me realmente extraño

Todo esto es culpa de @Sony

levantare mi voz!



Podrían hacer computadoras comúnes

Sin cosas extras

Pero hicieron una hermosa VAIO

y me embromaron, maldita sea mi suerte!

Ahora estoy sin mi VAIO, sin nada!

Esa condenada mujer que ahora la tiene.



Me quedare en mi rincón

humilde y callado

y quizas asi ella me dejara

usarla aunque sea un poquito

Nunca pensé que sería el día

cuando mi VAIO estaría en mi camino.



Aguantando las bromas

del barrio entero

Me quedaré en mi rincón

sin perder la esperanza

Tal vez ella devolverá mi VAIO

por la que vale la pena esperar.

zé do biu das alagoas
traducão:
Sonia Farace
San Diego
EUA

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Fiquei sem meu Sony Vaio (em inglês rs)

There is an old saying

That my father used to say

That you know a real man

When he holds up to his word

Based on that principle

I have been feeling uneasy

It was just what I needed


For 114 days

I fought a tough battle

To fix my Sony VAIO

I fought from south to north

But I counted on my friends

Thus this was my luck


Marino, all the way in San Diego

Noticed my struggle

And on twitter he said

I will solve your matter

One simple email was enough

To dispel the confusion.


Then my VAIO arrived

At the day it was agreed

I was full of joy

And in state of awe

When I opened the package

What a fine laptop that is!


When my wife

Saw the beautiful computer

She rushed to say, this one is mine!

See my God how awful!

She took my VAIO,

It is true my Lord.


In the wardrobe she put it

And she locked it away.

While the sadness was settling in

I was getting hot.

What a heartless woman!

What she’s done to me

It can’t be done to a good Christian.


Now she is always showing off

With her beautiful VAIO,

While I am agonizing

Felling really strange,

This is all at @Sony’s fault

I will raise me voice!


It could make a common computer

With no extra stuff

But made a beautiful VAIO,

And messed with me, damn it!

Now no VAIO no nothing

Because that darned woman got it.


I will stay in my corner

Humbled and quite

So maybe she will allow me

To use it just a little,

I never thought that would be the day

When a VAIO would be on my way.


Taking all the jokes

From all the neighborhood

But I will stay in my corner

Without losing hope

Maybe she will return my VAIO,

Worth waiting for.

zé do biu das alagoas
tradução de:

Marino K. Poletine

PA Service Groups
QA Engineer - Sustaining / Linguist
Sony Electronics Inc. VAIO of America

Fiquei sem meu Sony Vaio

Existe um velho ditado
que meu pai ja me falava
que o cabra quando é macho
sustenta sua palavra
seguindo o velho ditado
tenho me aperreado
era só o que me faltava.

Por 114 dias
travei uma luta forte
pra consertar meu Sony Vaio
eu lutei de sul ao norte
mais contei com meus amigos
pois foi essa a minha sorte.

Marino, lá em San Diego
percebeu minha afliçao
e no twittter me falou
vou resolver a questão
bastou um simples email
e desfez a confusão.

Então chegou meu Vaio
no tal dia combinado
me enchi de alegria
aí fiquei abestado
quando abrí o pacote
eitá bichinho arretado!


Quando minha mulher
olhou o viu o belo computador
foi logo dizendo esse é meu!
Veja meu Deus que horror!
Ela ficou com meu Vaio,
é verdade meu senhor.

Colocou no quarda-roupa
e com chave então trancou.
Foi me dando uma tristeza
e me subiu um calor.
Que mulher sem coração!
O que ela fez comigo
não se faz com um cristão.

Vive agora se amostrando
com o seu Vaio bem bonito,
e eu me amofinando
ficando muito esquisito,
isso é culpa dessa @Sony
vou levantar o meu grito!

fizesse um computador comum
sem cheio de nove horas
fez um vaio bem bonito,
e me lascou,ora bolas!
Agora nem Vaio nem nada
pois ficou com a danada.

Vou ficar no meu canto
bem humilde e pianinho
para ver se ela me deixa
usar aquele bichinho,
Nunca pensei que tivesse um dia
um Vaio no meu caminho.


Suportando a gozãção
daqui de toda vizinhança
mais vou ficar no meu canto
se perder a esperança
quem sabe ela me dar meu Vaio,
quem espera sempre alcança.


para:
@marinopoletine e @soniafarace

zé do biu das alagoas

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Moysés Sesyom:O Bocage do Sertão

GLOSAS FESCENINAS DE MOYSÉS SESYOM
Coletânea organizada por Jardelino Lucena
jardelino@digizap.com.br



Moysés Lopes Sesyom, nasceu a 28 de julho de 1883 no sítio Baixa Verde em Caicó, no Rio Grande do Norte. Viveu em Açu-RN, a partir de 1905 vindo a falecer em 9 de março de 1932

1. Sua avó, puta de estrada.
Sua mãe é fêmea minha.

2. João de Souza é um sacana
Só faltava ser cabrão

3. Rodolfo dançando nu
Cagou em pé como boi.

4. Zé Leão quase se caga
Quarta-feira na novena.

5. A doida da gameleira
Deu um peido e se cagou

6. O peido que a doida deu
Quase não cabe no cu.

7. Pude iludir uma cega
Dei-lhe uma foda no cu.

8. O pé de rabo de Ana
Por gosto se pode olhar.

9. Se Celina me matar
Ninguém tenha dó de mim

10. Se Celina me matar
Ninguém tenha dó de mim

11. Celina cravou Macário
Deixou Bitinha na mão

12. O quartel dessa cidade
Transformou- se em hospital

13. Eu fiz um saco de meia
Pra suspender os colhões

14. O saco que eu sempre usava
Não cabe mais os colhões.

15. Bebo, fumo, jogo e danço
Sou perdido por mulher.




1. MOTE


Sua avó, puta de estrada.
Sua mãe é fêmea minha.


GLOSA

A sua raça é safada
Desde a quinta geração
Seu avô foi um cabrão
Sua avó, puta de estrada
Sua filha, amasiada
Prostituta sua netinha
Esta pariu de um criado
Seu pai foi corno chapado
Sua mãe é fêmea minha



2. MOTE


João de Souza é um sacana
Só faltava ser cabrão


GLOSA


Dança fobó, bebe cana,
Em tudo mete o bedelho,
Toca bronha e chupa grelho,
João de Souza é um sacana
Se mete na carraspana
Dentro da repartição;
É mentiroso, é ladrão,
É de uma fama corruta,
É corno, filho da puta,
Só faltava ser cabrão.



3. MOTE


Rodolfo dançando nu
Cagou em pé como boi.


GLOSA


Um caso raro em Açu,
Quereis saber o que é?
Foi visto no cabaré
Rodolfo dançando nu.
Quando ele mostrou o cu
As putas disseram: "Oi"
Um sacana que lá foi
Me disse: " pintou o sete,
Tocou bronha, fez minete,
Cagou em pé como boi".



4. MOTE


Zé Leão quase se caga
Quarta-feira na novena.


GLOSA


Quase faz do cu bisnaga
Apertado, em plena rua
Ontem, ao clarão da lua
Zé Leão quase se caga.
Porém encontrou uma vaga
Pôde fazer quarentena.
Com franqueza, tive pena
Por vê-lo tão apertado.
Foi feliz não ter cagado
Quarta-feira na novena.



5. MOTE


A doida da gameleira
Deu um peido e se cagou


GLOSA


Enrolado em uma esteira
João Dudu foi tomar fé,
Só pra ver mijando em pé,
A doida da gameleira.
Quando viu uma carteira
Teve medo recuou
Ali a doida ficou
Lhe disse: eu vou à caverna
Logo ali abriu a perna
Deu um peido e se cagou.



6. MOTE


O peido que a doida deu
Quase não cabe no cu.


GLOSA


Eu conto o que sucedeu
Na sombra da Gameleira
Foi um tiro de ronqueira
O peido que a doida deu.
Toda terra estremeceu,
Abalou todo o Açu,
Ela mexendo um angu,
Tira a perna para um lado
Dá um peido tão danado
Quase não cabe no cu.



7. MOTE


Pude iludir uma cega
Dei-lhe uma foda no cu.


GLOSA


Saindo de uma bodega
De meio lastro queimado,
Com muito jeito e agrado
Pude iludir uma cega.
Rolando na beldroega (1)
Fazendo vez de muçu (2)
Prá fornicar me pus nu.
Faz tempo, mas me recordo,
Virei a cega de bordo
Dei-lhe uma foda no cu.

(1) Erva rasteira e suculenta - da família. das portulacáceas
(2) Muçu - enguia d'água doce



8. MOTE


O pé de rabo de Ana
Por gosto se pode olhar.


GLOSA


Meti-me na carraspana,
Alexandre acompanhou
E comigo analisou
O pé de rabo de Ana.
Alguém dirá que é chincana
Porém eu posso provar,
A puta é de arrebatar,
Da Urtiga,(1) eu tiro aquela,
Pois o pé-de-rabo dela,
Por gosto se pode olhar.


(1) Urtiga - bairro boêmio do Açu



9. MOTE


Se Celina me matar
Ninguém tenha dó de mim


GLOSA


Se ela me abandonar
Desmastriando-me a sorte
Eu direi, perdôo a morte
Se Celina me matar.
Se eu pudesse gozar
Suas delícias sem fim
Seu corpo, junto de mim
Esbelto, quente, cheiroso,
Sentindo a febre do gozo
Ninguém tenha dó de mim



10. MOTE


Se Celina me matar
Ninguém tenha dó de mim


GLOSA


Não posso mais suportar
É grande a minha paixão
Perdôo de antemão
Se Celina me matar
Se eu dela me aproximar
Terei um prazer sem fim
Se um dia me vires assim
Chupando o beicinho dela
Se eu morrer fudendo nela
Ninguém tenha dó de mim



11. MOTE

Celina cravou Macário
Deixou Bitinha na mão

GLOSA

Num pequeno comentário
Se dizia, com vantagens,
Que com enorme fogagem (1)
Celina cravou Macário.
Quase mata um funcionário
De sarna, chato(2) e bulbão(3)
E mais uma purgação(4)
Que vem deitando a negrada.
Essa puta engalicada
Deixou Bitinha na mão

_______________


(1) Fogagem - Hérpes no prepúcio
(2) Chato - Piolho das virilhas ou púbis - phithirius inguinalis.
(3) Bulbão - Adenite supurada que acompanha o cancro mole, vulgarmente chamada de mula.
(9) Purgação - Blenorragia




12. MOTE


O quartel dessa cidade
Transformou- se em hospital

GLOSA

Por dever de humanidade
O Governo decretou
Em asilo transformou
O quartel dessa cidade
Causa dó e piedade
Neste momento atual
A força policial
Se acha toda doente,
Nosso quartel, finalmente,
Transformou-se em hospital;



13. MOTE


Eu fiz um saco de meia
Pra suspender os colhões


GLOSA


Senti grossa a cordovéia
Quando vi, fiquei doente.
Apressado, incontinente,
Eu fiz um saco de meia.
Depois da bruaca cheia
Suspendi por dois cordões,
Senti doer os tendões
Onde a mulher tem tabaco.
Eu não tenho, uso um saco
Pra suspender os colhões



14. MOTE


O saco que eu sempre usava
Não cabe mais os colhões.


GLOSA


Por esta eu não esperava.
De tristeza estou carpido,
Hoje vi. Está perdido.
O saco que eu sempre usava.
Foi uma sentença brava
Para tirá-la em grilhões.
Porém alego razões
Para as quais tenho de sobra:
O saco deu uma dobra
Não cabe mais os colhões.



15. MOTE


Bebo, fumo, jogo e danço
Sou perdido por mulher.


GLOSA


Vida longa não alcanço
Na orgia e no prazer,
Pois enquanto não morrer
Bebo, fumo, jogo e danço.
Brinco, farreio e não canso
Me censure quem quizer,
Não falho um dia sequer
Cumprindo esta sina venho,
Além dos vícios que tenho,
Sou perdido por mulher.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

A Flor de Maracujá

Encontrando-me com um sertanejo
Perto de um pé de maracujá
Eu lhe perguntei:
Diga-me caro sertanejo
Porque razão nasce roxa
A flor do maracujá?

Ah, pois então eu lhi conto
A estória que ouvi contá
A razão pro que nasci roxa
A flor do maracujá

Maracujá já foi branco
Eu posso inté lhe ajurá
Mais branco qui caridadi
Mais brando do que o luá

Quando a flor brotava nele
Lá pros cunfim do sertão
Maracujá parecia
Um ninho de argodão

Mais um dia, há muito tempo
Num meis que inté num mi alembro
Si foi maio, si foi junho
Si foi janero ou dezembro

Nosso sinhô Jesus Cristo
Foi condenado a morrer
Numa cruis crucificado
Longe daqui como o quê

Pregaro cristo a martelo
E ao vê tamanha crueza
A natureza inteirinha
Pois-se a chorá di tristeza

Chorava us campu
As foia, as ribera
Sabiá também chorava
Nos gaio a laranjera

E havia junto da cruis
Um pé de maracujá
Carregadinho de flor
Aos pé de nosso sinhô

I o sangue de Jesus Cristo
Sangui pisado de dô
Nus pé du maracujá
Tingia todas as flor

Eis aqui seu moço
A estoria que eu vi contá
A razão proque nasce roxa
A flor do maracujá.

Catulo da Paixão Cearense

terça-feira, 12 de abril de 2011

Salve Oliveira de Panelas

Amor Cósmico
Oliveira De Panelas¹

E a terra era criancinha ainda
quando eu comecei te amar.
Eu venho dos anos, das era,que longe se acham daqui,
Contigo cantei a canção no espaço maior,
Em formas de luzes de um mundo melhor
Mas foi necessario parti.

Eu lembro da primeira vez que te vi,
Milênios de instantes de mim para ti,
Num só paralelo de imensidão
Estamos aqui.

Viemos de longe,do largo,do alto
Profundo
Cercado de inicios de todos os mundos
Sem poder parar.

E a terra era criancinha ainda
Quando eu comecei te amar.

Partimos maneiros,ligeiros
Qual luzes bricando com fogo no ar

E a terra era criancinha ainda
Quando eu comecei te amar

Jurei a promessa de minha missão
Que quando estivesse contigo no chão
Pagaria toda promessa que fiz.
Então desse amor que nasceu de nós dois
Que nasça outros grandes amores depois
Sementes plantadas pra um mundo feliz

No processo lindo que te conheci,
Mil razões eu tenho pra não te deixar,
Na vida eu estou, da vida eu sai
Na vida eu irei te encontrar

E a terra era criancinha ainda
Quando eu comecei te amar.

¹Francisco Oliveira de Melo
* Panelas, PE. – 1946

Respeitado poeta repentista, em

Poeta Pedro Bandeira

EU NÃO SEI NEM QUEM SOU EU:
“No dia qui eu tou cá peste
Eu não sei nem quem sou eu,
Sou um fio do Nordeste
Que por descuido nasceu.
Cabôco do pé da serra
Fio legítimo da terra
De Inácio da Catingueira,
Juvená do Picuí,
De Zé Duda do Zumbí
E Mané Gardino Bandeira.

Sou um dos fí de Jesus
Qui nasceu por um arranjo,
Na terra de Zé da Luz
E de Argusto dos Anjo.
Sou do mesmo tabuleiro
Onde Pinto do Monteiro
É o primeiro da lista,
Cantador de desafôro
Tirando lapa de couro
Do rabo de repentista.

Sou dos cabra do Teixeira
Do sertão véi sem imprêgo
Da terra de Zé Limeira,
E dotô Zé Lins do Rêgo.
De Zé Américo de Armêida
Orador da voz de seda
Político da linha boa.
Sou cantadô das coivara
Do sertão das Ispinhara
A capitá João Pessoa.

Sou um doido da viola
Repentista vagabundo
Como um jumento sem bola
Sorto no ôco do mundo.
Bibí água do riacho
Onde todo cabra macho
Se acorda de madrugada
Sou um matuto pai-dégua
Nasci na Baixa da égua
Perto da tába lascada.

Sou um cabra resorvido
Bicho sem assombração
Poeta véio nascido
No miolo do sertão.
Sou neto de João Mandióca.
Cumpadre de Cobra Choca.
Mês de maio é o mês meu.
Me batisei em oitubro
Vou ver se ainda descubro
Onde a garrota morreu.

Sou do cabo da enxada,
Neto que dá língua a vó.
Cabra da rede rasgada
E um buraco no lençó.
Sou da terra de Ugolino,
Famia de Ontôe Sirvino,
Parente de Lampião.
Colega de Zé Catôta,
Romeiro véio da gôta
Do Padre Cícero Romão.”
Poeta Pedro Bandeira

quinta-feira, 31 de março de 2011

@SonyBr Veja Só 100 dias sem meu Vaio

O meu Vaio deu problema
levei para autorizada
a moça lá me falou
daqui a 9 dias
ta resolvido a parada.
passaram 100 dias
que Vaio que @Sony que nada!

Depois de 40 dias
a moça então me falou
infelizmente não tem peça
para o seu computador,
a @Sony vai te dar um novo
porque ela ama seu povo,
reconheça seu valor.


100 dias passados
nada do meu Vaio chegar
eu falei com meus botões:
começou a complicar
e
vou botar pra empenar
reuno minha turma no twitter
eles não vão me faltar.


sou um sujeito pacato
compridor do meu dever
ando sempre numa linha
é firme meu proceder
mas ser passado pra trás
isso ninguém me faz,
boto logo pra moer.

@SonyBr manda logo o que é meu
quero ficar sossegado
trabalhando em meu cantinho
muito bem despreocupado,
sei que esperar não presta
e esse custo da mulesta
ta me deixando arretado!

já apelei pra Bashô
poeta do verso reto
salve Akira e Mishima
no seu supremo dialeto,
Mas a @Sony e o seu Vaio
tá num custo do caraio,
isso também não ta certo!


quero meu computador
pois preciso trabalhar
deixa dessa ingrizia
manda meu bichinho cá,
100 dias é uma era
pra quem nunca foi de espera,
desse jeito não vai dar.



voce da twitosfera
retuiter esse poema
vamos ganhar essa luta
a@Sony é grande, não tema!
Unidos nós somo mais!
Pra frente nunca pra trás
pois vencer é nosso lema!


zé do biu das alagoas

sábado, 26 de março de 2011

Santo Inácio da Catingueira

A peleja da fundação:
Ignacio da Catingueira
versus
Romano da Mãe d'Água
Dizem que esta seria a peleja fundadora de todas as pelejas.
Nada ficou escrito pelos cantadores. Talvez sequer soubessem ler.
Há fragmentos anotados aqui e acolá nos cordéis de outros cantadores.
Inácio da Catingueira seria escravo. Romano da Mãe D’água, dito Romano Caluete, seria um pequeno proprietário rural, ambos paraibanos, e teriam travado esta peleja na feita da Vila de Patos, PB, em 1870.
O poeta Luiz Nunes Alves fez esta unificação tomando por base os diversos fragmentos que correm na boca do povo, já registrados por Ugolino do Cabugi, Leandro Gomes de Matos, Leonardo Mota, Silvino Pirauá, Chagas Batista, Padre Manuel Otaviano, Rodrigues de Carvalho e Nestor Diógenes.



--------------------------------------------------------------------------------

Iganácio Romano

--------------------------------------------------------------------------------
Me tirem de um engano:
Me apontem com o dedo
Quem é Francisco Romano,
Pois eu ando no seu piso
Já não sei há quantos anos.
Negro, me diga o seu nome
Que eu quero ser sabedor,
Se é solteiro ou casado,
Aonde é morador,
Se acaso for cativo,
Diga quem é seu senhor.
Eu sou muito conhecido,
Aqui nesta ribeira,
Este é o seu criado
da Catingueira.
Dentro da Vila de Patos,
Compro, vendo e faço feira.
Negro, vieste a Patos
Procurando quem te forre
Volta pra trás, meu negrinho
Que aqui ninguém te socorre;
E quem cai nas minhas unhas
Apanha, deserta ou morre.
Seu Romano, em vim a Patos
Pela fama do senhor,
Que me disseram que era
Mestre e rei de cantador;
E que dentro de um salão
Tem discurso de doutor.
Inaço, que andas fazendo
Aqui nesta freguesia,
Cadê o teu passaporte,
A tua carta de guia
Aonde tá teu sinhô
Cadê a tua famia.
Seu Romano, eu sou cativo,
Trabalho para meu sinhô...
Quando vou para uma festa
Foi ele quem me mandou,
E quando saio escondido
Ele sabe pronde eu vou.
Inaço, deixa-te disto,
Não te possa acreditá
Pois eu também tenho nego
E só mando trabaiá...
Como é que teu sinhô
Vai te mandá vadiá?
Inaço da Catinguera,
Escravo de Mané Luiz
Tanto corta com risca,
Como sustenta o que diz!
Sou vigaro capelão
E sacristão da matriz.
Este aqui é seu Romano
Dentaria de elefante,
Barbatana de baleia,
Força de trinta gigante,
É ouro que não mareia,
Pedra fina e diamante.
Inaço da Catinguera
É nego desengonçado:
Abre cacimba no seco
Dá em baixo do muiado...
Aperta sem sê troquês,
Corta pau sem sê machado.
Romano, o meu martelo,
Por bom ferreiro é forjado;
Tanto ele é bom de aço,
Como está bem temperado;
A forja onde ele foi eito
É toda de aço blindado.
Seu Romano, eu lhe garanto
Que resisto ao seu martelo;
Ao talho do seu facão,
Ao corte do seu cutelo;
Se eu morrer na peleja,
Lhe vencerei no duelo.
Negro criado vadio
Tem por fim acabar má;
Uns casam com mulher forra
Outros dão pra roubá.
Outros fogem do serviço
Com medo de trabalhá.
Eu felizmente não sou
Escravo de senhor cru,
Que trabalha todo o dia
De noite faz quinguingu
Aparpando no escuro
Fossando que nem tatu.
Estou ouvindo as tuas loas,
Não te possa acreditar.
Que eu também tenho escravo
Mas não mando vadiar,
Que eu saio pra divertir
Os negros vão trabalhar.
Seu Romano, sou cativo,
Mas trabalho no comum.
Dar descanso a seus escravos
É gosto de cada um
Meu sinhô tem muito negro,
Seu Romano só tem um.
Pra negro eu tenho chicote
E palmatória e trabuco.
Boto-o na mesa do carro
Passo por cima e machuco
Vadeio de lá pra cá:
Traco-traco! Truco-truco!
Seu Romano, meu facão
Também trabalha em seu quengo!
Desmastreio-te a carreira
Como um cavalo de rengo
E vou de uma banda pra outra
Traco-traco! Tengo-tengo!
Negro, se eu te pegar
Numa volta de caminho
Eu te faço um agrado,
Com meu chicote um carinho
Se a camisa for nova
Só te deixo o colarinho.
Sou abelha de ferrão
Sou besouro de caboclo,
Se eu pegar seu Romano,
Dou um arrocho, deixo-o rouco
De quebrar-lhe as canelas
Só deixar-lhe dois catoco.
Negro você não me venha
Que se vier eu lhe abeco
Sacudo-o em cima da forja,
Com os fole eu te sapeco,
Boto-te em cima da safra,
Com dois malhos, teco-teco!
Seu Romano, não se alegre
Que a hora não acabou-se.
Eu derrubo de machado,
Acabo, pico de foice.
Valentão que vir a mim
Mato-o de queda e de coice.
Negro se tu me cercares
Com quatrocentos caifai
Cem de uma banda, cem de outra
Cem adiante, cem atrai
Isto é que é tapa que dou
Isto é que é nego que cai.
Seu Romano fazê isso
Té arriscado a passar má
Vai o chumbo, vai a bala
Vai o nó do caruá.
Dá-lhe os nego, dá-lhe as nega
E os molequim também dá.
Romano Na minha não passa
Negro sem carta de guia
Boto-lhe o surrão abaixo
Para fazer vistoria
Se é cativo ou se é liberto
Se é casado e tem famia.
Seu Romano, a fazer isto
Certamente passa má
Vai a bala, vai o chumbo,
Vai a corda de crauá
Dá-lhe os negro, dá-lhe as negra
Dá-lhe tudo, tudo dá.
Romano da Catingueira
Madeira do Piancó
Eu boto-lhe no meu machado
E tiro-a toda no pó
Boto-lhe a régua em cima
E desempeno de enxó.
Seu Romano carapina,
Carregue boa ferrage
Sou braúna, angico torto
Sou pedra mármore, em lage,
Sou lagedo, penedia,
Logo seu ferro é bobage.
Romano, olha que eu tenho
Força e muita inteligência,
Não me falta no meu estro
A veloz reminiscência;
Muitas vezes tenho dado
Em cantador de ciência.
Seu Romano eu só garanto
É que ciência eu não tenho,
Mas para desenganá-lo
Cantar consigo hoje venho;
Abra os olhos, cuide em si,
Pra não perder seu desenho.
Inaço faça um favô
Me diga lá num repente
Qual é a dor que mais dói,
Que mais atormenta a gente.
Eu penso que o panariço
É dorzinha impertinente;
Mas porém tem muitas outra
Que eu lhe digo, no repente:
Ferroada de lacrau
Faz o pé ficar dormente;
Tem outra dô condenada,
É pisá-se em brasa quente.
Sou que nem dois telegrama:
Quando um assobe outro desce...
Inaço, você me diga,
Que nunca achei quem dissesse,
Qual é a erva do mato
Que o próprio cego conhece.
Neste negócio de mato
Sou quase decurião...
Corto o baraio onde quero,
Dou carta e jogo de mão;
No mato tem uma erva,
Queima e arde como o chão,
O próprio cego conhece:
É urtiga ou cansação.
Inaço, se és tão sabido,
Responda sem estudá,
Qual é o tranze da vida
Que mais nos faz apertá,
Que até nos tira a alegria,
O jeito de conversá,
O sono durante a noite,
A vontade de almoçá.
Seu Romano me parece,
Eu que não sou aprendido,
É quando morre a mulhé,
Ou quando morre o marido,
Nosso pai ou nossa mãe,
O nosso filho querido,
Quando chega em nossa porta
Um credô aborrecido.
Tomara achar quem me mostre
Uma casa sem Maria,
Mês que não tenha semana,
Uma semana sem dia,
Altá de igreja sem santo,
Vigaro sem freguesia,
Moça nova sem namoro
E véia sem ser titia.
Eu nunca vi filho único
Que não fosse preguiçoso!
Quem anda com guarda-costa
Não é valente, é medroso!
O homem se faz por si,
Ninguém nasce poderoso!
O pobre fica maluco,
O rico fica nervoso...
Há certas coisas na vida
Que, se dando, é raridade:
Menino não querê leite,
Soldado ter castidade,
Rapariga sem enfeite,
Gente sonsa sem maldade,
Moça passar dos trint’anos,
Dizer direito a idade.
Há dez coisas neste mundo
Que toda gente procura:
É dinheiro e é bondade,
Água fria e formosura,
Cavalo bom e mulhé,
Requeijão com rapadura,
Morá sem ser agregado,
Comê carne sem gordura...
Quando eu era pequenino,
No tempo em que eu vadiava,
No lugá onde eu nasci
A minha força eu mostrava:
Não deixei pau pra semente,
Pela raiz eu cortava.
Nunca vi ninguém no mundo
Indigestá sem cumê,
Navio corrê no seco,
Atolero sem chuvê...
Também nunca vi no mundo,
Por isso queria vê
Tirá pau pela raiz
Só vendo é que posso crê:
Só se era mata-pasto,
Canapum ou muçambê.
O pau que eu tirá de foice,
Tu não tira de machado;
No mato que eu entrá nu,
Cabra não entra encourado;
Barbatão que eu pegá solto
Botas no mato, peado.
Seu Romano inda não viu
O tamanho do meu roçado:
Grita-se aqui num aceiro
Ninguém ouve do outro lado,
Eu faço coisa dormindo
Que outro não faz acordado,
O que o sinhô fizé em pé
Eu faço mesmo deitado.
No lugar onde eu campeio
Tu mesmo não tira gado;
Faço figura no limpo
Faço mió no fechado
No poço que eu tomá pé
Você morre é afogado.
Coisa que eu faço no mato
Ninguém faz no tabolero
O que o branco faz no duro
eu faço num atolero;
O que faz no mês de março
Eu tenho feito em janeiro,
O branco bem amontado
O nego em qualquer sendeiro
A concessão que lhe faço
É correr no meu acero
Embora o diabo lhe ajude
Eu derrubo o boi primeiro.
Eu já tenho dado em touro
Que quando ronca estremece
Tenho domado leão
Até que ele me obedece;
Já dei em muitos cantores
Mas nunca achei quem me desse!
Com touros e com leões
Seu Romano já brigou
Mas se o povo se acalmar
Eu hei de mostrar quem sou
Quero dar em seu Romano
Que diz que nunca apanhou.
Se você vê que não pode
Comigo, é bom que se aquete:
Enquanto derrubá um,
Eu despacho mais de sete!
O que você faz de espada
Desmancho de canivete...
O senhor nunca me viu
Frangi o couro da venta,
Meu cabelo se arpoá
E a testa ficar cinzenta...
Cantadô, quando eu me agasto,
Esfria com água benta.
Quando pego um cantador,
Adoece de repente,
Dá-lhe uma dor de cabeça
E uma coceira ardente
É um vexame tão grande
Que não há diabo que agüente.
Meu martelo tem azougue
Cantador dele não sai,
Dá-lhe um frio com tontura,
Seca a carne a língua cai,
Fica o corpo sem governo
A alma vai-e-não-vai.
Inaço, tu tem cabeça
Porém juízo não tem!
Um gigante nos meus braços
Aperto não é ninguém!
Aperto um dobrão nos dedo
Faço virar um vintém.
Tem coisa que dá vontade
Me meter na vida alheia:
Quem mata assim tanta gente
Inda não foi pra cadeia!
Pegá um gigante à mão
E não ficá ca mão cheia!
Rebentar dobrão nos dedo
E não quebrá uma veia:
Esse dobrão é de cera,
Esse gigante é de areia...
Inaço, fica sabendo
Que sou rei nesta ribera!
Tá me dando uma veneta
Fazê uma brincadera:
Eu quero mudá-te o nome
De Inaço da Catinguera...
Desse pau tão duro e forte
Eu faço burra leitera
E se me dé na cabeça
Faço virá bananera...
O branco mais muita gente,
O negrinho mermo só,
O branco vem de cacete,
E eu recebo a cipó...
No pau que fizé entalha
Eu lavro sem deixá nó:
O branco corta a machado,
Eu lavro mermo de enxó...
Romano da Catingueira
Se mete a cantar repente,
Negro me trata melhor,
Que estamos em meio de gente
Queira Deus você não saia
Da sala de couro quente.
Meu branco dou-lhe um conselho,
Espero o sinhô tomar,
Se tire desse sentido,
Se arrede desse pensar,
Juro com todos os dedo
Que um homem só não me dá.
Inaço da Catinguera
Fala como uma folhinha...
Não quero escutá bobage,
Guarda a tua ladainha,
Não és pra me dá conselho:
Quando tu ia eu já vinha...
Seu Romano, eu pra cantá
Não preciso passaporte...
É um dom da natureza
Um favor da minha sorte!
Em negócio de cantiga
Tenho feito muita morte.
Negro, se tu pretendes
Contra mim te armar em guerra,
Verás eu tirar-te a vida,
Deixar-te inerte, na terra,
E botar no teu cadáver
Serra por cima de serra.
Seu Romano, eu tenho visto
Cantor que diz que é sabido,
Vir pelejar contra mim
Mas quando se ver perdido,
Chora pedindo desculpas
Dizendo: estava iludido.
Negro, as tuas façanhas
Eu delas não faço conta,
Tu te opondo contra mim
Dás murro em faca de ponta;
Eu monto no teu cangote
Mas no meu ninguém se monta.
Seu Romano não faz conta
Porém eu hoje desmancho
Tudo o que o sinhô fizer:
Toco-lhe fogo no rancho,
Cuide em si que o negro velho
Dá-lhe um serviço de gancho.
Inaço, tu nunca viste
Eu mais meu mano em serviço.
Somo como dois machados,
No tronco de um pau maciço;
Um é raio abrasador,
Outro é trovão inteiriço.
Eu bem sei que seu Veríssimo
No martelo é rei c’roado;
Mas, leve ele à Catingueira
Muito bem apadrinhado,
E verá como é que apanha
O padrim e o afilhado.
Coitadim de Catingueira
Aonde vei se socar,
Dentro de uma mata escura
Onde não pode enxergar,
Ele vei por inocente,
Não volta sem apanhar.
Coitadim de seu Romano,
Aonde ele vei caí,
Nas unhas de um gavião,
Sendo ele um bentivi,
Está se vendo apertado
Como peixe no jiqui.
Romano quando se zanga
Treme o Norte, abala o Sul
Solta bomba envenenada
Vomitando fogo azul
Desmancha nego nos are
Que cai virado em paul.
Inaço quando se assanha
Cai estrela, a terra treme,
O Sol esbarra o seu curso,
O Mar abala-se e geme,
Pega fogo o mundo em roda
E nada disso o nego teme.
Hoje aqui tem de se ver
Relampos de caracol,
Os nevoeiros pararem
E eclipsar-se o Sol;
Secarem as águas do Mar,
Pescar baleia de anzol.
Hoje aqui tem de se ver
Como o ferreiro trabalha,
Como se caldeia ferro,
Como o aço se esbandalha;
Como se broqueia pedra,
Como se estoura a metralha.
Meu Deus, o que tem
Que no cantar se atrapalha?
Sustenta o ferro na mão,
Que estou na primeira entalha,
Teu ferro está se virando
E o meu não mostra falha.
Meu Deus, que tem seu Romano
Parece que está doente?
Está temendo a desfeita,
Ou o bote da serpente,
Ou está com medo de
Ou com vergonha da gente.
Inaço, tenho cantado
Com muita gente de tino;
No sul com Manoel Carneiro,
No Sabugi com Ugolino,
Como não canto contigo
Que és fraco e pequenino?
Seu Romano, abra os olhos
Com esse preto moreno
Tenha medo da botada
Da serpente e do veneno;
Eu já tenho visto grande
Apanhar dum mais pequeno.
Negro, ainda me abalo
Lá da serra do Teixeira,
Levo meu mano Veríssimo
Vamos dar-te uma carreira,
Dar-te uma surra em martelo
E tomar-te a Catingueira.
Meu branco, dou-lhe um conselho
Se voimincê me atende;
Se for para nós brincar
Pode ir que não me ofende
Mas pra tomar Catingueira
Não vá não que se arrepende.
Negro, tu me conheces,
Já sabes bem eu quem sou;
Mas quero te prevenir
Que na Catingueira eu vou
Derrubar o teu Castelo
Que nunca se derrubou.
É mais fácil um boi voá
Um cururu ficar belo,
Aruá jogar cacete
E cobra calçar chinelo,
Do que haver valentão
Que derrube o meu Castelo.
Quem quer ferir inimigo
Não faz ponto nem avisa;
Quando eu for à Catingueira,
Nesse dia o sol se incrisa;
Inda vou lá, fique certo,
Somente dar-te uma pisa.
Me diga o dia em que vai,
Quais são os seus companheiros.
O senhor pode levar
Dez ou doze cangaceiros;
Que a todos eu saio a peito
Como um valente guerreiro.
Antes de eu ir, outro dia,
Te mandarei um aviso
Você, tando em casa, corre
Porque você tem juízo...
E eu vou só fazê estrago:
Quebro, rasgo, queimo e piso!
Quando for procure um padre
Que o ouça em confissão,
Deixa a cova bem cavada
E deixe a encomendação
Leve a rede onde é de vir
E já prontinho o caixão.
Inaço, eu sei que é duro,
Mas é lá na Catingueira
Na Mãe d’água, onde eu moro,
Não descambas a ladeira.
Mais fácil o diabo ir ao Céu
Do que ires ao Teixeira.
Meu branco não diga isso
Que o sinhô não me conhece
Veja quando o Sol sair
Com a luz que resplandece
Olhe para os quatro lados
Que o negro velho aparece.
Negro, eu só canto contigo
Por um amigo me pedir
Visto me sacrificar,
Não me importa de ferir...
Cavo onde achar mais mole
E bato enquanto bulir.
Seu Romano, lhe aconselho,
Não cometa tal perigo,
a Deus que lhe defenda
Do laço do inimigo,
Antes morrer enforcado
Do que pelejar comigo.
Negro, canta com mais jeito,
Vê a tua qualidade.
Eu sou branco, tu um vulto
perante a sociedade.
Eu em vir cantar contigo
Baixo de dignidade.
Esta sua frase agora
Me deixou admirado...
O sinhô para ser branco,
Seu couro é muito queimado,
Sua cor imita a minha,
Seu cabelo é agastado.
Com negro não canto mais
Perante a sociedade.
Estou dando cabimento
Ele está com liberdade.
Por isso vou me calar,
Mesmo por minha vontade.
O sinhô me chama negro,
Pensando que me acabrunha.
O sinhô de home branco
Só tem os dente e as unha,
A sua pele é queimada,
Seu cabelo é testemunha.
Inaço, eu estou ciente
Que tu és um negro ativo;
Mas não estou satisfeito,
Devo te ser positivo:
Me abate hoje em cantar
Com um negro que é cativo.
Na verdade, seu Romano,
Eu sou negro confiado!
Eu negro e o sinhô branco
Da cor de café torrado!
Seu avô vei ao Brasil
Para ser negociado.
Negro, eu vou te pedir,
Vamos deixar o passado,
Esquecer quem foi cativo,
Que nos dá mais resultado.
Acabar a discussão
Esquecer todo o atrasado.
Isso aí é outra coisa.
Eu não luto sem motivo.
O sinhô também esqueça
O povo que foi cativo.
Quem tem defunto ladrão
Não fala em roubo de vivo.
A desgraça do home rico
É dar importância a pobre.
Sendo eu a prata fina
Vim me misturar com cobre.
Grande castigo merece
Quem se abate sendo nobre.
Esta agora é engraçada,
Eu digo com toda fé:
De prata se faz arreio,
Faz faca, garfo e cuié,
De prata se faz espora
Pra negro botar no pé.
Já faço tu te calar
Não quero articulação.
Vamos à geografia
Que chama o povo à atenção.
Vê se sabes ou se podes
Me dar uma explicação.
Seu Romano, ainda me lembro
Que meu sinhô me dizia
Que o mundo tem cinco partes,
É Ásia e Oceania,
Europa, América e África,
Assim diz a geografia.
Então deves conhecer
Cabos, estreiros e mar,
Os golfos, as raças todas
Onde puderam habitar.
Afina tua memória
Que eu quero te perguntar.
Não respondo sua pergunta,
Não conheço academia,
Vivo só do meu roçado,
Nunca vi uma livraria.
Vá perguntar a um doutô
Que é quem sabe geografia.
Meu Deus, que tem esse negro
Que no cantar se maltrata!
Agora Romano velho
Canta um ano e não se mata;
Quanto mais canta mais sabe
E nó que dá ninguém desata.
Eu bem sei que seu Romano
Tá na fama dos anéis;
Canta um ano, canta dois,
Canta seis, sete, e dez;
Mas o nó que der com as mãos
Eu desmancho com os pés.
Inaço, vamos parar,
Estou com dor de cabeça.
Preciso de algum repouso
Antes que o dia amanheça.
Estou com cara de sono
Sem ter mais quem me conheça.
Sua doença, seu Romano,
Está muito conhecida.
Melhor rasgar o tumor
Antes que vire ferida.
O reis por perder o trono
Não deve perder a vida.
Latona, Cibele, Réa,
Íris, Vulcano, Netuno,
Minerva, Diana, Juno,
Anfitrite, Androcéia,
Vênus, Climene, Amaltéia,
Plutão, Mercúrio, Teseu,
Júpiter, Zoilo, Perseu,
Apolo, Ceres, Pandora,
desata, agora,
O nó que Romano deu.
Seu Romano, desse jeito
Eu não posso acompanhá-lo.
Se desse um nó em martelo
Viria eu desatá-lo
Mas como foi em ciência
Cante só que eu me calo.
...Fim...

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A peleja da fundação:
Ignacio da Catingueira
versus
Romano da Mãe d'Água
Dizem que esta seria a peleja fundadora de todas as pelejas.
Nada ficou escrito pelos cantadores. Talvez sequer soubessem ler.
Há fragmentos anotados aqui e acolá nos cordéis de outros cantadores.
Inácio da Catingueira seria escravo. Romano da Mãe D’água, dito Romano Caluete, seria um pequeno proprietário rural, ambos paraibanos, e teriam travado esta peleja na feita da Vila de Patos, PB, em 1870.
O poeta Luiz Nunes Alves fez esta unificação tomando por base os diversos fragmentos que correm na boca do povo, já registrados por Ugolino do Cabugi, Leandro Gomes de Matos, Leonardo Mota, Silvino Pirauá, Chagas Batista, Padre Manuel Otaviano, Rodrigues de Carvalho e Nestor Diógenes.



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Iganácio Romano

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Me tirem de um engano:
Me apontem com o dedo
Quem é Francisco Romano,
Pois eu ando no seu piso
Já não sei há quantos anos.
Negro, me diga o seu nome
Que eu quero ser sabedor,
Se é solteiro ou casado,
Aonde é morador,
Se acaso for cativo,
Diga quem é seu senhor.
Eu sou muito conhecido,
Aqui nesta ribeira,
Este é o seu criado
da Catingueira.
Dentro da Vila de Patos,
Compro, vendo e faço feira.
Negro, vieste a Patos
Procurando quem te forre
Volta pra trás, meu negrinho
Que aqui ninguém te socorre;
E quem cai nas minhas unhas
Apanha, deserta ou morre.
Seu Romano, em vim a Patos
Pela fama do senhor,
Que me disseram que era
Mestre e rei de cantador;
E que dentro de um salão
Tem discurso de doutor.
Inaço, que andas fazendo
Aqui nesta freguesia,
Cadê o teu passaporte,
A tua carta de guia
Aonde tá teu sinhô
Cadê a tua famia.
Seu Romano, eu sou cativo,
Trabalho para meu sinhô...
Quando vou para uma festa
Foi ele quem me mandou,
E quando saio escondido
Ele sabe pronde eu vou.
Inaço, deixa-te disto,
Não te possa acreditá
Pois eu também tenho nego
E só mando trabaiá...
Como é que teu sinhô
Vai te mandá vadiá?
Inaço da Catinguera,
Escravo de Mané Luiz
Tanto corta com risca,
Como sustenta o que diz!
Sou vigaro capelão
E sacristão da matriz.
Este aqui é seu Romano
Dentaria de elefante,
Barbatana de baleia,
Força de trinta gigante,
É ouro que não mareia,
Pedra fina e diamante.
Inaço da Catinguera
É nego desengonçado:
Abre cacimba no seco
Dá em baixo do muiado...
Aperta sem sê troquês,
Corta pau sem sê machado.
Romano, o meu martelo,
Por bom ferreiro é forjado;
Tanto ele é bom de aço,
Como está bem temperado;
A forja onde ele foi eito
É toda de aço blindado.
Seu Romano, eu lhe garanto
Que resisto ao seu martelo;
Ao talho do seu facão,
Ao corte do seu cutelo;
Se eu morrer na peleja,
Lhe vencerei no duelo.
Negro criado vadio
Tem por fim acabar má;
Uns casam com mulher forra
Outros dão pra roubá.
Outros fogem do serviço
Com medo de trabalhá.
Eu felizmente não sou
Escravo de senhor cru,
Que trabalha todo o dia
De noite faz quinguingu
Aparpando no escuro
Fossando que nem tatu.
Estou ouvindo as tuas loas,
Não te possa acreditar.
Que eu também tenho escravo
Mas não mando vadiar,
Que eu saio pra divertir
Os negros vão trabalhar.
Seu Romano, sou cativo,
Mas trabalho no comum.
Dar descanso a seus escravos
É gosto de cada um
Meu sinhô tem muito negro,
Seu Romano só tem um.
Pra negro eu tenho chicote
E palmatória e trabuco.
Boto-o na mesa do carro
Passo por cima e machuco
Vadeio de lá pra cá:
Traco-traco! Truco-truco!
Seu Romano, meu facão
Também trabalha em seu quengo!
Desmastreio-te a carreira
Como um cavalo de rengo
E vou de uma banda pra outra
Traco-traco! Tengo-tengo!
Negro, se eu te pegar
Numa volta de caminho
Eu te faço um agrado,
Com meu chicote um carinho
Se a camisa for nova
Só te deixo o colarinho.
Sou abelha de ferrão
Sou besouro de caboclo,
Se eu pegar seu Romano,
Dou um arrocho, deixo-o rouco
De quebrar-lhe as canelas
Só deixar-lhe dois catoco.
Negro você não me venha
Que se vier eu lhe abeco
Sacudo-o em cima da forja,
Com os fole eu te sapeco,
Boto-te em cima da safra,
Com dois malhos, teco-teco!
Seu Romano, não se alegre
Que a hora não acabou-se.
Eu derrubo de machado,
Acabo, pico de foice.
Valentão que vir a mim
Mato-o de queda e de coice.
Negro se tu me cercares
Com quatrocentos caifai
Cem de uma banda, cem de outra
Cem adiante, cem atrai
Isto é que é tapa que dou
Isto é que é nego que cai.
Seu Romano fazê isso
Té arriscado a passar má
Vai o chumbo, vai a bala
Vai o nó do caruá.
Dá-lhe os nego, dá-lhe as nega
E os molequim também dá.
Romano Na minha não passa
Negro sem carta de guia
Boto-lhe o surrão abaixo
Para fazer vistoria
Se é cativo ou se é liberto
Se é casado e tem famia.
Seu Romano, a fazer isto
Certamente passa má
Vai a bala, vai o chumbo,
Vai a corda de crauá
Dá-lhe os negro, dá-lhe as negra
Dá-lhe tudo, tudo dá.
Romano da Catingueira
Madeira do Piancó
Eu boto-lhe no meu machado
E tiro-a toda no pó
Boto-lhe a régua em cima
E desempeno de enxó.
Seu Romano carapina,
Carregue boa ferrage
Sou braúna, angico torto
Sou pedra mármore, em lage,
Sou lagedo, penedia,
Logo seu ferro é bobage.
Romano, olha que eu tenho
Força e muita inteligência,
Não me falta no meu estro
A veloz reminiscência;
Muitas vezes tenho dado
Em cantador de ciência.
Seu Romano eu só garanto
É que ciência eu não tenho,
Mas para desenganá-lo
Cantar consigo hoje venho;
Abra os olhos, cuide em si,
Pra não perder seu desenho.
Inaço faça um favô
Me diga lá num repente
Qual é a dor que mais dói,
Que mais atormenta a gente.
Eu penso que o panariço
É dorzinha impertinente;
Mas porém tem muitas outra
Que eu lhe digo, no repente:
Ferroada de lacrau
Faz o pé ficar dormente;
Tem outra dô condenada,
É pisá-se em brasa quente.
Sou que nem dois telegrama:
Quando um assobe outro desce...
Inaço, você me diga,
Que nunca achei quem dissesse,
Qual é a erva do mato
Que o próprio cego conhece.
Neste negócio de mato
Sou quase decurião...
Corto o baraio onde quero,
Dou carta e jogo de mão;
No mato tem uma erva,
Queima e arde como o chão,
O próprio cego conhece:
É urtiga ou cansação.
Inaço, se és tão sabido,
Responda sem estudá,
Qual é o tranze da vida
Que mais nos faz apertá,
Que até nos tira a alegria,
O jeito de conversá,
O sono durante a noite,
A vontade de almoçá.
Seu Romano me parece,
Eu que não sou aprendido,
É quando morre a mulhé,
Ou quando morre o marido,
Nosso pai ou nossa mãe,
O nosso filho querido,
Quando chega em nossa porta
Um credô aborrecido.
Tomara achar quem me mostre
Uma casa sem Maria,
Mês que não tenha semana,
Uma semana sem dia,
Altá de igreja sem santo,
Vigaro sem freguesia,
Moça nova sem namoro
E véia sem ser titia.
Eu nunca vi filho único
Que não fosse preguiçoso!
Quem anda com guarda-costa
Não é valente, é medroso!
O homem se faz por si,
Ninguém nasce poderoso!
O pobre fica maluco,
O rico fica nervoso...
Há certas coisas na vida
Que, se dando, é raridade:
Menino não querê leite,
Soldado ter castidade,
Rapariga sem enfeite,
Gente sonsa sem maldade,
Moça passar dos trint’anos,
Dizer direito a idade.
Há dez coisas neste mundo
Que toda gente procura:
É dinheiro e é bondade,
Água fria e formosura,
Cavalo bom e mulhé,
Requeijão com rapadura,
Morá sem ser agregado,
Comê carne sem gordura...
Quando eu era pequenino,
No tempo em que eu vadiava,
No lugá onde eu nasci
A minha força eu mostrava:
Não deixei pau pra semente,
Pela raiz eu cortava.
Nunca vi ninguém no mundo
Indigestá sem cumê,
Navio corrê no seco,
Atolero sem chuvê...
Também nunca vi no mundo,
Por isso queria vê
Tirá pau pela raiz
Só vendo é que posso crê:
Só se era mata-pasto,
Canapum ou muçambê.
O pau que eu tirá de foice,
Tu não tira de machado;
No mato que eu entrá nu,
Cabra não entra encourado;
Barbatão que eu pegá solto
Botas no mato, peado.
Seu Romano inda não viu
O tamanho do meu roçado:
Grita-se aqui num aceiro
Ninguém ouve do outro lado,
Eu faço coisa dormindo
Que outro não faz acordado,
O que o sinhô fizé em pé
Eu faço mesmo deitado.
No lugar onde eu campeio
Tu mesmo não tira gado;
Faço figura no limpo
Faço mió no fechado
No poço que eu tomá pé
Você morre é afogado.
Coisa que eu faço no mato
Ninguém faz no tabolero
O que o branco faz no duro
eu faço num atolero;
O que faz no mês de março
Eu tenho feito em janeiro,
O branco bem amontado
O nego em qualquer sendeiro
A concessão que lhe faço
É correr no meu acero
Embora o diabo lhe ajude
Eu derrubo o boi primeiro.
Eu já tenho dado em touro
Que quando ronca estremece
Tenho domado leão
Até que ele me obedece;
Já dei em muitos cantores
Mas nunca achei quem me desse!
Com touros e com leões
Seu Romano já brigou
Mas se o povo se acalmar
Eu hei de mostrar quem sou
Quero dar em seu Romano
Que diz que nunca apanhou.
Se você vê que não pode
Comigo, é bom que se aquete:
Enquanto derrubá um,
Eu despacho mais de sete!
O que você faz de espada
Desmancho de canivete...
O senhor nunca me viu
Frangi o couro da venta,
Meu cabelo se arpoá
E a testa ficar cinzenta...
Cantadô, quando eu me agasto,
Esfria com água benta.
Quando pego um cantador,
Adoece de repente,
Dá-lhe uma dor de cabeça
E uma coceira ardente
É um vexame tão grande
Que não há diabo que agüente.
Meu martelo tem azougue
Cantador dele não sai,
Dá-lhe um frio com tontura,
Seca a carne a língua cai,
Fica o corpo sem governo
A alma vai-e-não-vai.
Inaço, tu tem cabeça
Porém juízo não tem!
Um gigante nos meus braços
Aperto não é ninguém!
Aperto um dobrão nos dedo
Faço virar um vintém.
Tem coisa que dá vontade
Me meter na vida alheia:
Quem mata assim tanta gente
Inda não foi pra cadeia!
Pegá um gigante à mão
E não ficá ca mão cheia!
Rebentar dobrão nos dedo
E não quebrá uma veia:
Esse dobrão é de cera,
Esse gigante é de areia...
Inaço, fica sabendo
Que sou rei nesta ribera!
Tá me dando uma veneta
Fazê uma brincadera:
Eu quero mudá-te o nome
De Inaço da Catinguera...
Desse pau tão duro e forte
Eu faço burra leitera
E se me dé na cabeça
Faço virá bananera...
O branco mais muita gente,
O negrinho mermo só,
O branco vem de cacete,
E eu recebo a cipó...
No pau que fizé entalha
Eu lavro sem deixá nó:
O branco corta a machado,
Eu lavro mermo de enxó...
Romano da Catingueira
Se mete a cantar repente,
Negro me trata melhor,
Que estamos em meio de gente
Queira Deus você não saia
Da sala de couro quente.
Meu branco dou-lhe um conselho,
Espero o sinhô tomar,
Se tire desse sentido,
Se arrede desse pensar,
Juro com todos os dedo
Que um homem só não me dá.
Inaço da Catinguera
Fala como uma folhinha...
Não quero escutá bobage,
Guarda a tua ladainha,
Não és pra me dá conselho:
Quando tu ia eu já vinha...
Seu Romano, eu pra cantá
Não preciso passaporte...
É um dom da natureza
Um favor da minha sorte!
Em negócio de cantiga
Tenho feito muita morte.
Negro, se tu pretendes
Contra mim te armar em guerra,
Verás eu tirar-te a vida,
Deixar-te inerte, na terra,
E botar no teu cadáver
Serra por cima de serra.
Seu Romano, eu tenho visto
Cantor que diz que é sabido,
Vir pelejar contra mim
Mas quando se ver perdido,
Chora pedindo desculpas
Dizendo: estava iludido.
Negro, as tuas façanhas
Eu delas não faço conta,
Tu te opondo contra mim
Dás murro em faca de ponta;
Eu monto no teu cangote
Mas no meu ninguém se monta.
Seu Romano não faz conta
Porém eu hoje desmancho
Tudo o que o sinhô fizer:
Toco-lhe fogo no rancho,
Cuide em si que o negro velho
Dá-lhe um serviço de gancho.
Inaço, tu nunca viste
Eu mais meu mano em serviço.
Somo como dois machados,
No tronco de um pau maciço;
Um é raio abrasador,
Outro é trovão inteiriço.
Eu bem sei que seu Veríssimo
No martelo é rei c’roado;
Mas, leve ele à Catingueira
Muito bem apadrinhado,
E verá como é que apanha
O padrim e o afilhado.
Coitadim de Catingueira
Aonde vei se socar,
Dentro de uma mata escura
Onde não pode enxergar,
Ele vei por inocente,
Não volta sem apanhar.
Coitadim de seu Romano,
Aonde ele vei caí,
Nas unhas de um gavião,
Sendo ele um bentivi,
Está se vendo apertado
Como peixe no jiqui.
Romano quando se zanga
Treme o Norte, abala o Sul
Solta bomba envenenada
Vomitando fogo azul
Desmancha nego nos are
Que cai virado em paul.
Inaço quando se assanha
Cai estrela, a terra treme,
O Sol esbarra o seu curso,
O Mar abala-se e geme,
Pega fogo o mundo em roda
E nada disso o nego teme.
Hoje aqui tem de se ver
Relampos de caracol,
Os nevoeiros pararem
E eclipsar-se o Sol;
Secarem as águas do Mar,
Pescar baleia de anzol.
Hoje aqui tem de se ver
Como o ferreiro trabalha,
Como se caldeia ferro,
Como o aço se esbandalha;
Como se broqueia pedra,
Como se estoura a metralha.
Meu Deus, o que tem
Que no cantar se atrapalha?
Sustenta o ferro na mão,
Que estou na primeira entalha,
Teu ferro está se virando
E o meu não mostra falha.
Meu Deus, que tem seu Romano
Parece que está doente?
Está temendo a desfeita,
Ou o bote da serpente,
Ou está com medo de
Ou com vergonha da gente.
Inaço, tenho cantado
Com muita gente de tino;
No sul com Manoel Carneiro,
No Sabugi com Ugolino,
Como não canto contigo
Que és fraco e pequenino?
Seu Romano, abra os olhos
Com esse preto moreno
Tenha medo da botada
Da serpente e do veneno;
Eu já tenho visto grande
Apanhar dum mais pequeno.
Negro, ainda me abalo
Lá da serra do Teixeira,
Levo meu mano Veríssimo
Vamos dar-te uma carreira,
Dar-te uma surra em martelo
E tomar-te a Catingueira.
Meu branco, dou-lhe um conselho
Se voimincê me atende;
Se for para nós brincar
Pode ir que não me ofende
Mas pra tomar Catingueira
Não vá não que se arrepende.
Negro, tu me conheces,
Já sabes bem eu quem sou;
Mas quero te prevenir
Que na Catingueira eu vou
Derrubar o teu Castelo
Que nunca se derrubou.
É mais fácil um boi voá
Um cururu ficar belo,
Aruá jogar cacete
E cobra calçar chinelo,
Do que haver valentão
Que derrube o meu Castelo.
Quem quer ferir inimigo
Não faz ponto nem avisa;
Quando eu for à Catingueira,
Nesse dia o sol se incrisa;
Inda vou lá, fique certo,
Somente dar-te uma pisa.
Me diga o dia em que vai,
Quais são os seus companheiros.
O senhor pode levar
Dez ou doze cangaceiros;
Que a todos eu saio a peito
Como um valente guerreiro.
Antes de eu ir, outro dia,
Te mandarei um aviso
Você, tando em casa, corre
Porque você tem juízo...
E eu vou só fazê estrago:
Quebro, rasgo, queimo e piso!
Quando for procure um padre
Que o ouça em confissão,
Deixa a cova bem cavada
E deixe a encomendação
Leve a rede onde é de vir
E já prontinho o caixão.
Inaço, eu sei que é duro,
Mas é lá na Catingueira
Na Mãe d’água, onde eu moro,
Não descambas a ladeira.
Mais fácil o diabo ir ao Céu
Do que ires ao Teixeira.
Meu branco não diga isso
Que o sinhô não me conhece
Veja quando o Sol sair
Com a luz que resplandece
Olhe para os quatro lados
Que o negro velho aparece.
Negro, eu só canto contigo
Por um amigo me pedir
Visto me sacrificar,
Não me importa de ferir...
Cavo onde achar mais mole
E bato enquanto bulir.
Seu Romano, lhe aconselho,
Não cometa tal perigo,
a Deus que lhe defenda
Do laço do inimigo,
Antes morrer enforcado
Do que pelejar comigo.
Negro, canta com mais jeito,
Vê a tua qualidade.
Eu sou branco, tu um vulto
perante a sociedade.
Eu em vir cantar contigo
Baixo de dignidade.
Esta sua frase agora
Me deixou admirado...
O sinhô para ser branco,
Seu couro é muito queimado,
Sua cor imita a minha,
Seu cabelo é agastado.
Com negro não canto mais
Perante a sociedade.
Estou dando cabimento
Ele está com liberdade.
Por isso vou me calar,
Mesmo por minha vontade.
O sinhô me chama negro,
Pensando que me acabrunha.
O sinhô de home branco
Só tem os dente e as unha,
A sua pele é queimada,
Seu cabelo é testemunha.
Inaço, eu estou ciente
Que tu és um negro ativo;
Mas não estou satisfeito,
Devo te ser positivo:
Me abate hoje em cantar
Com um negro que é cativo.
Na verdade, seu Romano,
Eu sou negro confiado!
Eu negro e o sinhô branco
Da cor de café torrado!
Seu avô vei ao Brasil
Para ser negociado.
Negro, eu vou te pedir,
Vamos deixar o passado,
Esquecer quem foi cativo,
Que nos dá mais resultado.
Acabar a discussão
Esquecer todo o atrasado.
Isso aí é outra coisa.
Eu não luto sem motivo.
O sinhô também esqueça
O povo que foi cativo.
Quem tem defunto ladrão
Não fala em roubo de vivo.
A desgraça do home rico
É dar importância a pobre.
Sendo eu a prata fina
Vim me misturar com cobre.
Grande castigo merece
Quem se abate sendo nobre.
Esta agora é engraçada,
Eu digo com toda fé:
De prata se faz arreio,
Faz faca, garfo e cuié,
De prata se faz espora
Pra negro botar no pé.
Já faço tu te calar
Não quero articulação.
Vamos à geografia
Que chama o povo à atenção.
Vê se sabes ou se podes
Me dar uma explicação.
Seu Romano, ainda me lembro
Que meu sinhô me dizia
Que o mundo tem cinco partes,
É Ásia e Oceania,
Europa, América e África,
Assim diz a geografia.
Então deves conhecer
Cabos, estreiros e mar,
Os golfos, as raças todas
Onde puderam habitar.
Afina tua memória
Que eu quero te perguntar.
Não respondo sua pergunta,
Não conheço academia,
Vivo só do meu roçado,
Nunca vi uma livraria.
Vá perguntar a um doutô
Que é quem sabe geografia.
Meu Deus, que tem esse negro
Que no cantar se maltrata!
Agora Romano velho
Canta um ano e não se mata;
Quanto mais canta mais sabe
E nó que dá ninguém desata.
Eu bem sei que seu Romano
Tá na fama dos anéis;
Canta um ano, canta dois,
Canta seis, sete, e dez;
Mas o nó que der com as mãos
Eu desmancho com os pés.
Inaço, vamos parar,
Estou com dor de cabeça.
Preciso de algum repouso
Antes que o dia amanheça.
Estou com cara de sono
Sem ter mais quem me conheça.
Sua doença, seu Romano,
Está muito conhecida.
Melhor rasgar o tumor
Antes que vire ferida.
O reis por perder o trono
Não deve perder a vida.
Latona, Cibele, Réa,
Íris, Vulcano, Netuno,
Minerva, Diana, Juno,
Anfitrite, Androcéia,
Vênus, Climene, Amaltéia,
Plutão, Mercúrio, Teseu,
Júpiter, Zoilo, Perseu,
Apolo, Ceres, Pandora,
desata, agora,
O nó que Romano deu.
Seu Romano, desse jeito
Eu não posso acompanhá-lo.
Se desse um nó em martelo
Viria eu desatá-lo
Mas como foi em ciência
Cante só que eu me calo.
...Fim...

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A peleja da fundação:
Ignacio da Catingueira
versus
Romano da Mãe d'Água
Dizem que esta seria a peleja fundadora de todas as pelejas.
Nada ficou escrito pelos cantadores. Talvez sequer soubessem ler.
Há fragmentos anotados aqui e acolá nos cordéis de outros cantadores.
Inácio da Catingueira seria escravo. Romano da Mãe D’água, dito Romano Caluete, seria um pequeno proprietário rural, ambos paraibanos, e teriam travado esta peleja na feita da Vila de Patos, PB, em 1870.
O poeta Luiz Nunes Alves fez esta unificação tomando por base os diversos fragmentos que correm na boca do povo, já registrados por Ugolino do Cabugi, Leandro Gomes de Matos, Leonardo Mota, Silvino Pirauá, Chagas Batista, Padre Manuel Otaviano, Rodrigues de Carvalho e Nestor Diógenes.



--------------------------------------------------------------------------------

Iganácio Romano

--------------------------------------------------------------------------------
Me tirem de um engano:
Me apontem com o dedo
Quem é Francisco Romano,
Pois eu ando no seu piso
Já não sei há quantos anos.
Negro, me diga o seu nome
Que eu quero ser sabedor,
Se é solteiro ou casado,
Aonde é morador,
Se acaso for cativo,
Diga quem é seu senhor.
Eu sou muito conhecido,
Aqui nesta ribeira,
Este é o seu criado
da Catingueira.
Dentro da Vila de Patos,
Compro, vendo e faço feira.
Negro, vieste a Patos
Procurando quem te forre
Volta pra trás, meu negrinho
Que aqui ninguém te socorre;
E quem cai nas minhas unhas
Apanha, deserta ou morre.
Seu Romano, em vim a Patos
Pela fama do senhor,
Que me disseram que era
Mestre e rei de cantador;
E que dentro de um salão
Tem discurso de doutor.
Inaço, que andas fazendo
Aqui nesta freguesia,
Cadê o teu passaporte,
A tua carta de guia
Aonde tá teu sinhô
Cadê a tua famia.
Seu Romano, eu sou cativo,
Trabalho para meu sinhô...
Quando vou para uma festa
Foi ele quem me mandou,
E quando saio escondido
Ele sabe pronde eu vou.
Inaço, deixa-te disto,
Não te possa acreditá
Pois eu também tenho nego
E só mando trabaiá...
Como é que teu sinhô
Vai te mandá vadiá?
Inaço da Catinguera,
Escravo de Mané Luiz
Tanto corta com risca,
Como sustenta o que diz!
Sou vigaro capelão
E sacristão da matriz.
Este aqui é seu Romano
Dentaria de elefante,
Barbatana de baleia,
Força de trinta gigante,
É ouro que não mareia,
Pedra fina e diamante.
Inaço da Catinguera
É nego desengonçado:
Abre cacimba no seco
Dá em baixo do muiado...
Aperta sem sê troquês,
Corta pau sem sê machado.
Romano, o meu martelo,
Por bom ferreiro é forjado;
Tanto ele é bom de aço,
Como está bem temperado;
A forja onde ele foi eito
É toda de aço blindado.
Seu Romano, eu lhe garanto
Que resisto ao seu martelo;
Ao talho do seu facão,
Ao corte do seu cutelo;
Se eu morrer na peleja,
Lhe vencerei no duelo.
Negro criado vadio
Tem por fim acabar má;
Uns casam com mulher forra
Outros dão pra roubá.
Outros fogem do serviço
Com medo de trabalhá.
Eu felizmente não sou
Escravo de senhor cru,
Que trabalha todo o dia
De noite faz quinguingu
Aparpando no escuro
Fossando que nem tatu.
Estou ouvindo as tuas loas,
Não te possa acreditar.
Que eu também tenho escravo
Mas não mando vadiar,
Que eu saio pra divertir
Os negros vão trabalhar.
Seu Romano, sou cativo,
Mas trabalho no comum.
Dar descanso a seus escravos
É gosto de cada um
Meu sinhô tem muito negro,
Seu Romano só tem um.
Pra negro eu tenho chicote
E palmatória e trabuco.
Boto-o na mesa do carro
Passo por cima e machuco
Vadeio de lá pra cá:
Traco-traco! Truco-truco!
Seu Romano, meu facão
Também trabalha em seu quengo!
Desmastreio-te a carreira
Como um cavalo de rengo
E vou de uma banda pra outra
Traco-traco! Tengo-tengo!
Negro, se eu te pegar
Numa volta de caminho
Eu te faço um agrado,
Com meu chicote um carinho
Se a camisa for nova
Só te deixo o colarinho.
Sou abelha de ferrão
Sou besouro de caboclo,
Se eu pegar seu Romano,
Dou um arrocho, deixo-o rouco
De quebrar-lhe as canelas
Só deixar-lhe dois catoco.
Negro você não me venha
Que se vier eu lhe abeco
Sacudo-o em cima da forja,
Com os fole eu te sapeco,
Boto-te em cima da safra,
Com dois malhos, teco-teco!
Seu Romano, não se alegre
Que a hora não acabou-se.
Eu derrubo de machado,
Acabo, pico de foice.
Valentão que vir a mim
Mato-o de queda e de coice.
Negro se tu me cercares
Com quatrocentos caifai
Cem de uma banda, cem de outra
Cem adiante, cem atrai
Isto é que é tapa que dou
Isto é que é nego que cai.
Seu Romano fazê isso
Té arriscado a passar má
Vai o chumbo, vai a bala
Vai o nó do caruá.
Dá-lhe os nego, dá-lhe as nega
E os molequim também dá.
Romano Na minha não passa
Negro sem carta de guia
Boto-lhe o surrão abaixo
Para fazer vistoria
Se é cativo ou se é liberto
Se é casado e tem famia.
Seu Romano, a fazer isto
Certamente passa má
Vai a bala, vai o chumbo,
Vai a corda de crauá
Dá-lhe os negro, dá-lhe as negra
Dá-lhe tudo, tudo dá.
Romano da Catingueira
Madeira do Piancó
Eu boto-lhe no meu machado
E tiro-a toda no pó
Boto-lhe a régua em cima
E desempeno de enxó.
Seu Romano carapina,
Carregue boa ferrage
Sou braúna, angico torto
Sou pedra mármore, em lage,
Sou lagedo, penedia,
Logo seu ferro é bobage.
Romano, olha que eu tenho
Força e muita inteligência,
Não me falta no meu estro
A veloz reminiscência;
Muitas vezes tenho dado
Em cantador de ciência.
Seu Romano eu só garanto
É que ciência eu não tenho,
Mas para desenganá-lo
Cantar consigo hoje venho;
Abra os olhos, cuide em si,
Pra não perder seu desenho.
Inaço faça um favô
Me diga lá num repente
Qual é a dor que mais dói,
Que mais atormenta a gente.
Eu penso que o panariço
É dorzinha impertinente;
Mas porém tem muitas outra
Que eu lhe digo, no repente:
Ferroada de lacrau
Faz o pé ficar dormente;
Tem outra dô condenada,
É pisá-se em brasa quente.
Sou que nem dois telegrama:
Quando um assobe outro desce...
Inaço, você me diga,
Que nunca achei quem dissesse,
Qual é a erva do mato
Que o próprio cego conhece.
Neste negócio de mato
Sou quase decurião...
Corto o baraio onde quero,
Dou carta e jogo de mão;
No mato tem uma erva,
Queima e arde como o chão,
O próprio cego conhece:
É urtiga ou cansação.
Inaço, se és tão sabido,
Responda sem estudá,
Qual é o tranze da vida
Que mais nos faz apertá,
Que até nos tira a alegria,
O jeito de conversá,
O sono durante a noite,
A vontade de almoçá.
Seu Romano me parece,
Eu que não sou aprendido,
É quando morre a mulhé,
Ou quando morre o marido,
Nosso pai ou nossa mãe,
O nosso filho querido,
Quando chega em nossa porta
Um credô aborrecido.
Tomara achar quem me mostre
Uma casa sem Maria,
Mês que não tenha semana,
Uma semana sem dia,
Altá de igreja sem santo,
Vigaro sem freguesia,
Moça nova sem namoro
E véia sem ser titia.
Eu nunca vi filho único
Que não fosse preguiçoso!
Quem anda com guarda-costa
Não é valente, é medroso!
O homem se faz por si,
Ninguém nasce poderoso!
O pobre fica maluco,
O rico fica nervoso...
Há certas coisas na vida
Que, se dando, é raridade:
Menino não querê leite,
Soldado ter castidade,
Rapariga sem enfeite,
Gente sonsa sem maldade,
Moça passar dos trint’anos,
Dizer direito a idade.
Há dez coisas neste mundo
Que toda gente procura:
É dinheiro e é bondade,
Água fria e formosura,
Cavalo bom e mulhé,
Requeijão com rapadura,
Morá sem ser agregado,
Comê carne sem gordura...
Quando eu era pequenino,
No tempo em que eu vadiava,
No lugá onde eu nasci
A minha força eu mostrava:
Não deixei pau pra semente,
Pela raiz eu cortava.
Nunca vi ninguém no mundo
Indigestá sem cumê,
Navio corrê no seco,
Atolero sem chuvê...
Também nunca vi no mundo,
Por isso queria vê
Tirá pau pela raiz
Só vendo é que posso crê:
Só se era mata-pasto,
Canapum ou muçambê.
O pau que eu tirá de foice,
Tu não tira de machado;
No mato que eu entrá nu,
Cabra não entra encourado;
Barbatão que eu pegá solto
Botas no mato, peado.
Seu Romano inda não viu
O tamanho do meu roçado:
Grita-se aqui num aceiro
Ninguém ouve do outro lado,
Eu faço coisa dormindo
Que outro não faz acordado,
O que o sinhô fizé em pé
Eu faço mesmo deitado.
No lugar onde eu campeio
Tu mesmo não tira gado;
Faço figura no limpo
Faço mió no fechado
No poço que eu tomá pé
Você morre é afogado.
Coisa que eu faço no mato
Ninguém faz no tabolero
O que o branco faz no duro
eu faço num atolero;
O que faz no mês de março
Eu tenho feito em janeiro,
O branco bem amontado
O nego em qualquer sendeiro
A concessão que lhe faço
É correr no meu acero
Embora o diabo lhe ajude
Eu derrubo o boi primeiro.
Eu já tenho dado em touro
Que quando ronca estremece
Tenho domado leão
Até que ele me obedece;
Já dei em muitos cantores
Mas nunca achei quem me desse!
Com touros e com leões
Seu Romano já brigou
Mas se o povo se acalmar
Eu hei de mostrar quem sou
Quero dar em seu Romano
Que diz que nunca apanhou.
Se você vê que não pode
Comigo, é bom que se aquete:
Enquanto derrubá um,
Eu despacho mais de sete!
O que você faz de espada
Desmancho de canivete...
O senhor nunca me viu
Frangi o couro da venta,
Meu cabelo se arpoá
E a testa ficar cinzenta...
Cantadô, quando eu me agasto,
Esfria com água benta.
Quando pego um cantador,
Adoece de repente,
Dá-lhe uma dor de cabeça
E uma coceira ardente
É um vexame tão grande
Que não há diabo que agüente.
Meu martelo tem azougue
Cantador dele não sai,
Dá-lhe um frio com tontura,
Seca a carne a língua cai,
Fica o corpo sem governo
A alma vai-e-não-vai.
Inaço, tu tem cabeça
Porém juízo não tem!
Um gigante nos meus braços
Aperto não é ninguém!
Aperto um dobrão nos dedo
Faço virar um vintém.
Tem coisa que dá vontade
Me meter na vida alheia:
Quem mata assim tanta gente
Inda não foi pra cadeia!
Pegá um gigante à mão
E não ficá ca mão cheia!
Rebentar dobrão nos dedo
E não quebrá uma veia:
Esse dobrão é de cera,
Esse gigante é de areia...
Inaço, fica sabendo
Que sou rei nesta ribera!
Tá me dando uma veneta
Fazê uma brincadera:
Eu quero mudá-te o nome
De Inaço da Catinguera...
Desse pau tão duro e forte
Eu faço burra leitera
E se me dé na cabeça
Faço virá bananera...
O branco mais muita gente,
O negrinho mermo só,
O branco vem de cacete,
E eu recebo a cipó...
No pau que fizé entalha
Eu lavro sem deixá nó:
O branco corta a machado,
Eu lavro mermo de enxó...
Romano da Catingueira
Se mete a cantar repente,
Negro me trata melhor,
Que estamos em meio de gente
Queira Deus você não saia
Da sala de couro quente.
Meu branco dou-lhe um conselho,
Espero o sinhô tomar,
Se tire desse sentido,
Se arrede desse pensar,
Juro com todos os dedo
Que um homem só não me dá.
Inaço da Catinguera
Fala como uma folhinha...
Não quero escutá bobage,
Guarda a tua ladainha,
Não és pra me dá conselho:
Quando tu ia eu já vinha...
Seu Romano, eu pra cantá
Não preciso passaporte...
É um dom da natureza
Um favor da minha sorte!
Em negócio de cantiga
Tenho feito muita morte.
Negro, se tu pretendes
Contra mim te armar em guerra,
Verás eu tirar-te a vida,
Deixar-te inerte, na terra,
E botar no teu cadáver
Serra por cima de serra.
Seu Romano, eu tenho visto
Cantor que diz que é sabido,
Vir pelejar contra mim
Mas quando se ver perdido,
Chora pedindo desculpas
Dizendo: estava iludido.
Negro, as tuas façanhas
Eu delas não faço conta,
Tu te opondo contra mim
Dás murro em faca de ponta;
Eu monto no teu cangote
Mas no meu ninguém se monta.
Seu Romano não faz conta
Porém eu hoje desmancho
Tudo o que o sinhô fizer:
Toco-lhe fogo no rancho,
Cuide em si que o negro velho
Dá-lhe um serviço de gancho.
Inaço, tu nunca viste
Eu mais meu mano em serviço.
Somo como dois machados,
No tronco de um pau maciço;
Um é raio abrasador,
Outro é trovão inteiriço.
Eu bem sei que seu Veríssimo
No martelo é rei c’roado;
Mas, leve ele à Catingueira
Muito bem apadrinhado,
E verá como é que apanha
O padrim e o afilhado.
Coitadim de Catingueira
Aonde vei se socar,
Dentro de uma mata escura
Onde não pode enxergar,
Ele vei por inocente,
Não volta sem apanhar.
Coitadim de seu Romano,
Aonde ele vei caí,
Nas unhas de um gavião,
Sendo ele um bentivi,
Está se vendo apertado
Como peixe no jiqui.
Romano quando se zanga
Treme o Norte, abala o Sul
Solta bomba envenenada
Vomitando fogo azul
Desmancha nego nos are
Que cai virado em paul.
Inaço quando se assanha
Cai estrela, a terra treme,
O Sol esbarra o seu curso,
O Mar abala-se e geme,
Pega fogo o mundo em roda
E nada disso o nego teme.
Hoje aqui tem de se ver
Relampos de caracol,
Os nevoeiros pararem
E eclipsar-se o Sol;
Secarem as águas do Mar,
Pescar baleia de anzol.
Hoje aqui tem de se ver
Como o ferreiro trabalha,
Como se caldeia ferro,
Como o aço se esbandalha;
Como se broqueia pedra,
Como se estoura a metralha.
Meu Deus, o que tem
Que no cantar se atrapalha?
Sustenta o ferro na mão,
Que estou na primeira entalha,
Teu ferro está se virando
E o meu não mostra falha.
Meu Deus, que tem seu Romano
Parece que está doente?
Está temendo a desfeita,
Ou o bote da serpente,
Ou está com medo de
Ou com vergonha da gente.
Inaço, tenho cantado
Com muita gente de tino;
No sul com Manoel Carneiro,
No Sabugi com Ugolino,
Como não canto contigo
Que és fraco e pequenino?
Seu Romano, abra os olhos
Com esse preto moreno
Tenha medo da botada
Da serpente e do veneno;
Eu já tenho visto grande
Apanhar dum mais pequeno.
Negro, ainda me abalo
Lá da serra do Teixeira,
Levo meu mano Veríssimo
Vamos dar-te uma carreira,
Dar-te uma surra em martelo
E tomar-te a Catingueira.
Meu branco, dou-lhe um conselho
Se voimincê me atende;
Se for para nós brincar
Pode ir que não me ofende
Mas pra tomar Catingueira
Não vá não que se arrepende.
Negro, tu me conheces,
Já sabes bem eu quem sou;
Mas quero te prevenir
Que na Catingueira eu vou
Derrubar o teu Castelo
Que nunca se derrubou.
É mais fácil um boi voá
Um cururu ficar belo,
Aruá jogar cacete
E cobra calçar chinelo,
Do que haver valentão
Que derrube o meu Castelo.
Quem quer ferir inimigo
Não faz ponto nem avisa;
Quando eu for à Catingueira,
Nesse dia o sol se incrisa;
Inda vou lá, fique certo,
Somente dar-te uma pisa.
Me diga o dia em que vai,
Quais são os seus companheiros.
O senhor pode levar
Dez ou doze cangaceiros;
Que a todos eu saio a peito
Como um valente guerreiro.
Antes de eu ir, outro dia,
Te mandarei um aviso
Você, tando em casa, corre
Porque você tem juízo...
E eu vou só fazê estrago:
Quebro, rasgo, queimo e piso!
Quando for procure um padre
Que o ouça em confissão,
Deixa a cova bem cavada
E deixe a encomendação
Leve a rede onde é de vir
E já prontinho o caixão.
Inaço, eu sei que é duro,
Mas é lá na Catingueira
Na Mãe d’água, onde eu moro,
Não descambas a ladeira.
Mais fácil o diabo ir ao Céu
Do que ires ao Teixeira.
Meu branco não diga isso
Que o sinhô não me conhece
Veja quando o Sol sair
Com a luz que resplandece
Olhe para os quatro lados
Que o negro velho aparece.
Negro, eu só canto contigo
Por um amigo me pedir
Visto me sacrificar,
Não me importa de ferir...
Cavo onde achar mais mole
E bato enquanto bulir.
Seu Romano, lhe aconselho,
Não cometa tal perigo,
a Deus que lhe defenda
Do laço do inimigo,
Antes morrer enforcado
Do que pelejar comigo.
Negro, canta com mais jeito,
Vê a tua qualidade.
Eu sou branco, tu um vulto
perante a sociedade.
Eu em vir cantar contigo
Baixo de dignidade.
Esta sua frase agora
Me deixou admirado...
O sinhô para ser branco,
Seu couro é muito queimado,
Sua cor imita a minha,
Seu cabelo é agastado.
Com negro não canto mais
Perante a sociedade.
Estou dando cabimento
Ele está com liberdade.
Por isso vou me calar,
Mesmo por minha vontade.
O sinhô me chama negro,
Pensando que me acabrunha.
O sinhô de home branco
Só tem os dente e as unha,
A sua pele é queimada,
Seu cabelo é testemunha.
Inaço, eu estou ciente
Que tu és um negro ativo;
Mas não estou satisfeito,
Devo te ser positivo:
Me abate hoje em cantar
Com um negro que é cativo.
Na verdade, seu Romano,
Eu sou negro confiado!
Eu negro e o sinhô branco
Da cor de café torrado!
Seu avô vei ao Brasil
Para ser negociado.
Negro, eu vou te pedir,
Vamos deixar o passado,
Esquecer quem foi cativo,
Que nos dá mais resultado.
Acabar a discussão
Esquecer todo o atrasado.
Isso aí é outra coisa.
Eu não luto sem motivo.
O sinhô também esqueça
O povo que foi cativo.
Quem tem defunto ladrão
Não fala em roubo de vivo.
A desgraça do home rico
É dar importância a pobre.
Sendo eu a prata fina
Vim me misturar com cobre.
Grande castigo merece
Quem se abate sendo nobre.
Esta agora é engraçada,
Eu digo com toda fé:
De prata se faz arreio,
Faz faca, garfo e cuié,
De prata se faz espora
Pra negro botar no pé.
Já faço tu te calar
Não quero articulação.
Vamos à geografia
Que chama o povo à atenção.
Vê se sabes ou se podes
Me dar uma explicação.
Seu Romano, ainda me lembro
Que meu sinhô me dizia
Que o mundo tem cinco partes,
É Ásia e Oceania,
Europa, América e África,
Assim diz a geografia.
Então deves conhecer
Cabos, estreiros e mar,
Os golfos, as raças todas
Onde puderam habitar.
Afina tua memória
Que eu quero te perguntar.
Não respondo sua pergunta,
Não conheço academia,
Vivo só do meu roçado,
Nunca vi uma livraria.
Vá perguntar a um doutô
Que é quem sabe geografia.
Meu Deus, que tem esse negro
Que no cantar se maltrata!
Agora Romano velho
Canta um ano e não se mata;
Quanto mais canta mais sabe
E nó que dá ninguém desata.
Eu bem sei que seu Romano
Tá na fama dos anéis;
Canta um ano, canta dois,
Canta seis, sete, e dez;
Mas o nó que der com as mãos
Eu desmancho com os pés.
Inaço, vamos parar,
Estou com dor de cabeça.
Preciso de algum repouso
Antes que o dia amanheça.
Estou com cara de sono
Sem ter mais quem me conheça.
Sua doença, seu Romano,
Está muito conhecida.
Melhor rasgar o tumor
Antes que vire ferida.
O reis por perder o trono
Não deve perder a vida.
Latona, Cibele, Réa,
Íris, Vulcano, Netuno,
Minerva, Diana, Juno,
Anfitrite, Androcéia,
Vênus, Climene, Amaltéia,
Plutão, Mercúrio, Teseu,
Júpiter, Zoilo, Perseu,
Apolo, Ceres, Pandora,
desata, agora,
O nó que Romano deu.
Seu Romano, desse jeito
Eu não posso acompanhá-lo.
Se desse um nó em martelo
Viria eu desatá-lo
Mas como foi em ciência
Cante só que eu me calo.
...Fim...

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